Espero Estar Errado

Mas depois da rendição prática perante o modelo único de gestão escolar e a municipalização, quer-me parecer que os sindicatos “mais representativos” apenas vão encenar uma oposição ao “novo” modelo de recrutamento e eventual vinculação local dos quadros de escola. Eu sei que recusaram, mas estou habituado a que, depois de lhes consumarem o acto, acabarem por, na prática, consentir e até dizer que há coisas piores.

Espero estar errado, mas apareceram-me andorinhas fora de época a contar que coiso e tal, já quase nada é prioritário, excepto a aparência. E cheirou-me a pizza. Porque para abrir mais vagas, não são precisas negociações, basta abri-las. E aumentar o número de qzp seria apenas retomar o que já foi até 2014. Ou seja, fazer uma “reversão” que ficou por fazer todos estes anos.

“Praticamente todas as organizações sindicais expressaram a sua concordância com os pressupostos de base para este trabalho que estamos a iniciar”, reflete João Costa no fim da ronda de reuniões.

Phosga-se – Secção “As Instruções São Para Cumprir, Ou Não, É Conforme”

Instruções de início do ano para a elaboração de horários, em particular do 1º ciclo.

(…)

Horário de uma turma do 2º ano do agrupamento em causa, com as AEC todas empilhadas, o que faz com que @ colega tenha em 3 dias mais horas do que as legalmente previstas. Mas, como é habitual, é “conveniência do serviço”.

6ª Feira

Andamos cá por casa, numa espécie de ritual diário, a ver ou rever a já clássica série Monk, sobre um detective com um transtorno obsessivo-compulsivo maior do que a cidade de São Francisco onde a acção se passa e uma memória de tipo eidético. A esse respeito, de se lembrar de quase tudo o que viu, leu ou ouviu, ele costuma dizer “it’s a gift… and a curse” ou “it’s a blessing anda a curse”.

Felizmente, os meus distúrbios mentais estão à escala da minha vilória original e a minha memória tem altos e baixos, embora muitos dos pontos altos sejam realmente uma benção (não preciso de ir à pressa googlar uma série de coisas ou imediatamente à procura do livro ou revista onde li determinada coisa), mas também uma maldição (lembro-me de coisas que muita gente gostaria que ficassem no esquecimento, em especial quando remontam a tempos pré-internet de banda larga).

Isto a propósito de me lembrar que, há quase 20 anos, o ministro David Justino ter tentado reformular o concurso para colocação de professores, introduzindo diversas alterações, algumas das quais visavam acabar com o que foi designado como “os horários dentro da gaveta” que os conselhos executivos não tornariam disponíveis de imediato, guardando-os para os mini-concursos, altura em que apareciam a concorrer as pessoas “certas”. Uma outra justificação era que alguns desses horários apareciam propositadamente incompletos, para que nem toda a gentes a eles se candidatasse, enquanto @s conhecedor@s sabiam que, mal chegassem à escola em causa, as 4-6 horas em falta surgiriam quase por milagre. Não era uma acusação descabida, pois se chegasse alguém imprevisto as horas nem sempre apareciam, como poderá confirmar o meu registo biográfico que contém pérolas como 11 meses com 21 horas, enquanto no grupo disciplinar ao lado (e que permite leccionar uma disciplina comum) alguém saltou rapidamente de 12 para as desejadas 22 horas.

Desonestidade? Corrupção? Não me parece. Em alguns casos, mera preocupação com o destino de pessoa estimada. O bom e velho modo de estar português, que permite “desenrascar” as coisas. Ou… se fosse agora… o cuidado em esperar/escolher a pessoa com “o perfil de competências certo” para o lugar. Naquele meu caso específico, ninguém por lá me conhecia… até tinha estado a dar aulas em outro nível de escolaridade, num “contexto” talvez não tão “desafiante”, não tinha uma “formação específica”, pois estava a fazer ainda a parte curricular de um mestrado fortemente centrado em “conteúdos” de História.

O que a mim mais espanta em tudo isto é encontrar quem fez bandeira do combate aos “horários dentro da gaveta” do lado dos que consideram que se deve “localizar” a contratação e mesmo vinculação de docentes. Mas então o sistema é “centralizado” e “ineficaz”? Mas é a “territorialização” do recrutamento dos docentes que permite abrir mais vagas ou multiplicar o número de professores? Não me parece, excepto em casos a que já nos últimos dias aludi, nomeadamente as situações de franca “autonomia” que as direcções já têm na gestão da sua busca de recursos humanos para certas “necessidades educativas” ou serviços específicos de ocupação dos alunos ou “combate ao insucesso e abandono escolar”. O curioso é ver quem achava que antes havia clientelismo e práticas de nepotismo, agora ao lado de quem, qual vestal maculada em seu manto, clama pela honestidade geral. Ou mesmo a apoiar iniciativas municipais que culminam na contratação de “recursos” á medida das conveniências pessoais ou políticas, desculpem, das necessidades dos alunos.

Claro que há aquelas pessoas que nesses tempo nem andavam por estas andanças – há quem, em funções executivas, me lembre apenas desde que fez uma curiosa primeira visita a uma escola dirigida por um velho amigo (a quem interessava muito “projectar” a sua escola em acelerado declínio), mas isso faz parte do tal modo de estar português de nos lembrarmos dos nossos amigos. Mas há quem ande há mais tempo nisto e, como acima escrevi, por vezes é uma maldição lembrar-me do que disseram e fizeram em Primaveras passadas.