Estou convicto que se algumas pessoas ouvissem boa música ou, no mínimo, música divertida, pensariam melhor e não escreveriam tanta asneira.
Dia: 29 de Setembro, 2022
Eu Gostava Muito Sinceramente De Viver Num País (A) Sério
Mas vivo em Portugal tal como ele é e não num de fantasia em que temos gente a criticar a meritocracia, quando ela se aplica aos outros. Gente que desvaloriza as acusações e denúncias de nepotismo, porque acham que os contratos que conseguem são sempre graças a amigos virtuosos. Que nos diz que o mal é falar dos abusos e não os abusos em si. Que a vergonha não é roubar é dizer que há quem roube.
Eu gostava de viver num país de corrupção mínima, mas vivo num país que continua pobre, que nunca conseguiu sair verdadeiramente de uma economia dual ou “subterrânea”, como a definiu, há décadas, Villaverde Cabral, só que a informalidade dos pequenos negócios semi-clandestinos de outrora passou para a esfera dos negócios do Estado ou para esquemas paralelos, que se dizem não ser ilegais, mas todos sabemos serem profundamente imorais. E embora tecnicamente se possa achar que o tipo que vai à garagem fazer uma revisão mais barata sem factura equivale ao que consegue um contrato do Estado com ajuste directo, porque se dividiu a coisa por duas ou três parcelas com valores abaixo do limite legal para concurso público, há uma diferença de escala substancial no rombo final nos dinheiros públicos. A “economia dual” é uma espécie de fatalidade, a par da corrupção, em sociedades pobres e com fortes índices de desigualdade nos rendimentos.
Podia ser diferente? Podia.
Deveria ser diferente? Devia.
Mas não é, lamento informar-vos. A realidade realmente “desafia” as crenças sobre uma generalizada e beatífica bondade humana. O que chateia é, tantas vezes, ver gente a enlamear- se por tão pouco, pois até parte dos nossos sacanas é de uma deprimente falta de visão.
Reparem que a conversa sobre os dinheiros da “bazuca” desapareceram do debate público no momento em que a rosa ficou maioritária e a laranja se voltou a acomodar à situação de parceiro de negócios. E rapidamente se perceberá que quase nenhum desse dinheiro se verá no “terreno”, porque ficou pelos “oleodutos” que conduzem a maior parte das verbas para os intermediários adequados na sua distribuição.
Eu também gostaria de viver num país onde tudo serve para negociatas, de golas antifumo a vistos dourados, passando por gente que mal se apanha em lugar de poder meter a mão (seja um director de museu presidencial, seja chefe de gabinete ministerial, seja autarca que formalmente não autoriza determinada obra, seja consultor que usa informação privilegiada, embora sem que se consiga provar com rasto documental, seja tanta outra situação), mete a mão até onde pode.
Há quem goste de se mostrar moralmente superior ao dizer que assume que todos são honestos, enquanto outros se horrorizam perante fundadas suspeitas sobre a gestão de proximidade dos recursos humanos (e outros) das escolas. Mas ou são muito ingénuos – o que duvido – ou vivem num mundo de fantasia – e então arranjem-me do mesmo que eles bebem ou comem ou fumam – ou apenas nos querem fazer passar por idiotas.
Se Portugal poderia ser de outra forma, ter quebrado este ciclo triste e secular de “cunha, cama ou cartão”? Poder, podia, mas não seria a mesma coisa. Aquele holandês de cabelo azeiteiro e tese plagiada errou no diagnóstico, porque “vinho verde e meninas de afectos remunerados” não retrata plenamente a nossa realidade. Se calhar foi o que lhe ofereceram e ele era mais cerveja e terceira via e desgostou-lhe. Ou achou curto. Provavelmente queria uma adega de Gaia e o convento de Odivelas só para ele.
Andar a clamar contra quem se limita a observar o que nos rodeia e aquilo que acaba por ser um elemento constituinte da nossa identidade, agrade-nos ou não, pode ser um exercício interessante de solipsismo, fantasia ou apenas sonsice, mas tem o problema de ter de, em muito pouco tempo, chocar com uma “realidade desafiante”. E dão-se “inconseguimentos”. Curiosamente, esse estado de negação é que me parece revelar algum desequilíbrio mental e uma evidente incapacidade relacional com este Portugal que só se envernizou para receber os turistas.
Estou a ceder a um errado determinismo, a um fatalismo decadentista? Não estou a ser “positivo” e a “puxar para cima”, a ser “parte da solução”? Por regra, sei que quem adere a esse discurso é porque espera que o “destino” lhe sorria em forma de um contrato ou subsídio atempado.
Bem andava o velho Fialho há mais de um século.
Eu Assumo Que Toda A Gente É Honesta, Que Não Há Cunhas Ou Amiguismos, Mas A Realidade É… Digamos… “Desafiante”
A informação foi avançada pela CNN Portugal, que refere que o alvo da operação conduzida pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ é o secretário-geral da PCM, David Xavier, estando em causa suspeitas de corrupção e outros crimes associados à violação de regras de contratação pública a empresas privadas, de bens e serviços para o Governo.
A estação televisiva acrescentou que as buscas estão a decorrer em gabinetes ministeriais, mas também a residências.
5ª Feira
Amanheço impaciente por saber que novos conselhos irei ler ou ouvir, que novas “dicas” estarão disponíveis, a partir de gente sabedora e estudiosa, sobre a melhor forma de exercer a minha função de professor, sobre a qual toda a gente parece saber alguma coisa, mas muito pouca tem interesse em praticar. Ao menos no caso dos treinadores de futebol e seleccionadores, se lhes dessem a oportunidade, a maioria dos sábios de bancada aceitaria a função. Já no caso dos professores é tudo mais na onda do “eu ensino-te como se faz para ensinar aqueles que eu não tenho pachorra para aturar, nem sequer lá em casa durante as férias”. Nada como um contrato de consultoria, uma formação flexível a vender, um portefólio de projectos inovadores em busca de clientes.