Dia: 2 de Novembro, 2022
O Ministro Da Razoabilidade Orçamental
Não da Educação, como se percebeu, há minutos, na RTP3, a completar o périplo mediático do dia. É um ministro que joga em equipa e faz o que lhe mandam ou, provavelmente, aquilo que sempre faria em matéria de gestão dos recursos humanos. Despejou números sobre a falta de professores nas escolas, o que deixa sempre aquele incómodo de observar uma realidade que desafia a narrativa ministerial e, muito em especial, as razões que gosta de apontar para o fenómeno. Agora faltam professor@s de Português e Inglês, grupos que antes nem sequer apareciam nos problemáticos. E parece que culpa é dos alunos “migrantes” e da necessidade de criar turmas de Português Língua Não Materna. A sério? Por “migrantes” poderia especificar as nacionalidades, número de alunos e turmas criadas ou foi algo que achou giro dizer, porque conhece um par de casos?
Refere várias medidas, de “mitigamento” ou “mitigação”, como o completamente de horários, que devem existir nas escolas d@s amig@s com muita autonomia ou número directo para a 24 de Julho. A parte sobre a mobilidade por doença foi daquele sibilino cinismo que o faz dizer que para ele todos são honestos, só que todos devem ser fiscalizados, menos aqueles a quem a mobilidade foi recusada.
Mas o que mais ressalta é o ar de aparelhista acinzentado, a jogar com as palavras, por exemplo, quanto à impossibilidade de devolver o tempo de serviço sonegado pelos dois congelamentos decretados pelo seu partido em 2005t e 2011. Falou em devolução “responsável” de parte desse tempo de serviço e justificou-se com a tal “razoabilidade” e com “responsabilidade”. Como deve achar que estamos para rimas, ofereceu para o futuro um acordo com aumentos salariais de 20% para a legislatura, dos quais metade já a inflação deste ano teria levado, se a coisa se aplicasse à classe docente e não às carreiras gerais e falou de “previsibilidade” e “estabilidade“, como se fossem um bem em si.
Não são. Algo ser “previsível” ou “estável” não significa necessariamente a sua bondade. Por exemplo, é previsível que eu morra e eu não gosto nada dessa previsibilidade. Da mesma forma, uma carreira em estado de coma está “estável”, mas isso apenas significa que estagnou num patamar.
Previsibilidade e estabilidade, no caso da carreira docente e no seu contexto actual, são qualidades negativas, porque não são previsíveis melhorias, antes estando claro que “estabilizaremos” em baixa, como já nos encontramos. O resto são tretas de quem talvez tivesse sucesso há muitos anos em debates numa qualquer associação recreativa de estudantes.
Para linguista, o ministro Costa revela fracas competências, ao nível de um spin doctor saído há um semestre de uma universidade de primavera de uma jota. Para quem não tinha percebido, andou anos a esconder-se atrás de outros e a ser politicamente desonesto, com aquele ar de sonso que se lhe colou sem remédio. Agora apenas está à vista de tod@s, mesmo de quem o aplaude e elogia, porque está do lado certo dos favores. Mas um dia será feita a história minúscula de um governante de escassa coragem e nula frontalidade, que veta jornalistas para entrevistas e recusa qualquer debate com contraditório a sério.
Que Greve?
Estranhamente, é o JN que, em subtítulo do seu principal destaque, reconhece a sua existência, mas no contexto de uma espécie de vaga grevista. A isto chama-se um ME com excelente imprensa. Não admira que alguns EE aparecessem nas televisões com ar de espanto, devido ao desconhecimento da greve. Em matéria televisiva, nos noticiários das 13, destaque para o total enviesamento de uma repórter, com voz jovem, que só foi travado pelas respostas sensatas que lhe deram.
Entretanto, No Ensino Superior…
… começam a acentuar-se os sinais das “melhorias” nas “competências transversais”, nomeadamente as relativas ao não saber estar numa aula. Acreditavam que não chegava lá? Contou-me alguém que há umas semanas foi preciso a um professor atirar uma cadeira ao chão do seu palanque para que boa parte da arraia graúda se aquietasse. E era aula de um curso onde só se entra com notas upa-upa.
Inscreveste-te no ensino superior ou no primário?
Bate com a porta e senta-se meia hora depois do toque de entrada, já depois de ter passado o quarto de hora académico. Afunda-se na cadeira e balança como se o movimento fosse imprescindível para que se mantenha acordado. “Não faças isso com a cadeira, que podes cair”, pede o professor. Responde o aluno: “Mas porquê, estou a fazer alguma coisa de mal?”
Entretanto, noutra sala, alguém se levanta a meio de um exercício. “Onde vais?”, questiona a docente. “Eu vou atender uma chamada lá fora”, riposta o aluno. São estudantes que se levantam espontaneamente, sem motivo plausível para o fazer, são alunos que desafiam o rigor do ensino superior. “Mas eu tenho de saber isto? Eu nem vou utilizar isto…”, sorriem, enquanto mexem no telemóvel. “Liguem o computador! Larga o telemóvel! Estás a jogar na sala de aula?”, pergunta a professora, recebendo como resposta: “Posso fazer o exercício no telemóvel?”
(…) é o professor que se sente cada vez mais desprotegido em sala de aula, o que leva a que alguns acabem por alinhar na ‘macacada’ digna de ensino primário, sem se preocuparem se o aluno está a dormir ou a jogar. O trabalho é de equipa e não adianta um professor corrigir um aluno e alertá-lo para não estar a mexer no telemóvel o tempo todo, se na hora de aula a seguir, vem outro docente, que ignora completamente o comportamento.
Não se pedem turmas de alunos brilhantes, nem despertos para matérias com as quais não se identificam. Pedem-se turmas de alunos que respeitem os princípios básicos inerentes a um reduzido conjunto de vocábulos que tanto devem ser utilizados por estudantes como por professores: “Desculpe, por favor, obrigada, bom dia.” A educação, em alguns casos, fica à porta da sala de aula e isso é preocupante.
Desrespeitam-se prazos de entrega, enviam-se e-mails madrugada adentro exigindo resposta célere, pede-se condescendência, perante um cada vez maior número de justificações de ensino primário. “Então Joãozinho, porque não trouxe o trabalho feito?” “Ó professora, esqueci-me, ou melhor, para lhe ser sincero, não me apeteceu!” O Joãozinho tem 23 anos e inscreveu-se no ensino superior, porque quis e a pagar.
A Investida Mediática
Gostava de saber se as direcções e redacções colaboram nisto assim de plena vontade, se é medo, se é mero seguidismo. Dia de greve de professores e o ministro Costa espraia-se também pelo Público. Assunto de topo da primeira página. A divulgação dos resultados das provas de aferição que já chegaram às escolas há algum tempo ficou guardada para hoje. Diz-se que os alunos “melhoraram”, mas que ao mesmo tempo existiram quedas a pique. Afirma-se que “em relação a 2019, há claras subidas de desempenho, nomeadamente no 8.º ano de escolaridade onde, em todos os domínios testados que podem ser comparados, houve subidas”. Mas uma das suas mais dilectas seguidoras, diz que “comparações com 2019 são desinteressantes”, pelo que ou teve maus resultados lá por casa ou esqueceu-se que o discurso oficial não era para ser esse. Mesmo se a explicação dada por Ana Cohen – a alteração de circunstâncias – faz mais sentido do que a do ministro.
Vou esperar pelo relatório final, para ver que domínios foram esses que tanto melhoraram, até porque o ministro anuncia que “A recuperação das aprendizagens está a surtir efeitos”, sendo que em 2019 não existia pandemia. Afirma mesmo que sem pandemia estaríamos quase na estratosfera e anuncia que estão a iniciar “estudos amostrais” sobre a eficácia das medidas, sobre a qualidade do sucesso e sobre a equidade e quase ficamos com a sensação que tudo está maravilhoso, a escassez de professores para substituições não existe ou, a existir, não se reflecte nas aprendizagens, pelo que se calhar os professores nem fazem falta. Que façam greve, nós preocupamo-nos com as “grandes questões”.
Tudo no dia da greve de professores, com chamada de primeira página.
Obrigado, Público, por me explicares porque agora escrevo quase só cá para casa.
Razões Aceitáveis E Não Aceitáveis Para (Não) Fazer Greve, Escrito Por Um Praticante Pouco Assíduo
Não sou daqueles “lutadores” a 120% em tudo o que é manif, greve, petição, vigília ou abaixo assinado. Os meus pecadilhos na Educação não me obrigam a penitências públicas de vela na mão e não assino nada só porque sim, porque fica bem dar a aparência de movimento.
Logo… quando faço greve é mesmo porque estou convicto da necessidade de dar um sinal de que algo está mal e que a opinião pública não fique a pensar apenas que, como a SIC passava em rodapé depois das 9, que tudo isto se resume à questão doa aumentos salariais. Que são importantes, perante a perda do poder de compra, mas não são a única razão. Até porque isso pode esconder a incompetência daqueles que podiam ter evitado ou prevenido muita coisa, mas preferiram continuar as políticas de “racionalização” d@s antecessor@s, sem qualquer reversão vagamente digna desse nome. O que Lurdes Rodrigues deixou e Crato agravou, o Tiago não soube (ou sequer quis) reverter e muito menos o actual ministro que já mais gente percebe não ser o que ele se esforçava por parece, enquanto secretário.
Dito isto, aceito como boas as razões para não fazer greve que resultem da indiferença de muita gente perante algumas causas, porque estão de novo na função, porque estão demasiado precários, porque consideram que as suas agruras são outras, mesmo se isso é não acautelar o futuro. E aceito, por maioria de razão, quem já desanimou disto, quem já fez muitas greves, quem já teve frustrada a esperança em demasiados momentos e acha que esta greve na da mudará, de essencial ou mesmo de acessório, excepto alargar a folga orçamental do ME.
Já tenho mais dificuldade em aceitar as justificações do tupo “ahhhh…. coitados dos alunos que ficam sem aulas”, “o nosso dever é para com os alunos”, “isto até não está assim tão mau vejam lá os desempregados…” ou “eu não faço porque x, y ou z não faz e depois ganha o mesmo ou mais do que eu” ou ainda “nem sei quem vai fazer greve na minha escola”. Isto não esgota o lote das tretas que nunca usei quando assumi não fazer greve.
Repito o que já escrevi: não acredito muito nos efeitos desta greve, em contexto de maioria absoluta e com uma oposição débil e fragmentada, excepto a parte dos “novos sindicalistas” do Chega que ainda não vi fazer nada. Nem de propósito, o ministro faz hoje publicar no Negócios uma entrevista em que anuncia dinheiros e dá a sensação de tudo estar a decorrer com normalidade. Claro que é daquelas entrevistas que só ao de leve têm alguma aspereza, pois o ministro e o seu aparelho fazem uma espécie de filtragem prévia aos incómodos que lhe podem aparecer. E não digam que não o fizeram desta vez. Pena é que muita gente tenha medo de, perante poderes absolutos, exercitar verdadeiramente o quarto poder. Porque há quem depois julgue que pode atropelar todas as críticas, falsear os factos e criar um mundinho de sonsa realidade alternativa.
Em grande parte é contra essa sonsa realidade alternativa que faço greve e sinto muito pouca simpatia pelas desculpas sonsas para não a fazer. Se não acreditam na greve e discordam de ela só fazer sentido se produzir algum (de preferência muito) incómodo, digam-no, não se escondam atrás de m€rdinh@s, desculpem, tretas.