Texto enviado pelo autor.
Faço greve! Talvez por estas razões
Como é que a minha disponibilidade para a greve é total se, para além de uma relativa paz de espírito, nada ganharei?
Como é que sendo um professor contratado desde há mais de 30 anos, sem nunca ter pretendido entrar para qualquer nível de quadros e de apenas desejar que me calhem horários incompletos, me envolvo numa ação que, mesmo que seja só pela minha idade, não me trará qualquer benefício material?
Talvez porque tem vindo a haver um desrespeito crescente por uma atividade que considero fundamentalmente intelectual, que alguns iluminados pensam que poderá ser desempenhada com vantagem por uma qualquer app ao legislarem para que o intelecto seja retirado da função.
Talvez porque vivi uma época em que a direção das escolas era eleita e que, com liberdade e respeito, se podia contestar sem recear represálias de despeito.
Talvez porque presenciei o prazer da entrega dos colegas a clubes e a atividades que não constavam no seu horário.
Talvez pela perda do tempo livre, o tempo do ócio da escola grega, que fornecia a visão e a energia para resolver os escolhos que nunca deixam de ser constantes.
Talvez porque nunca tirei prazer nem vantagem dos inúmeros registos laboratoriais que refletem a desconfiança metódica de uma folha de cálculo com que o meu trabalho é percebido.
Talvez porque me cansei de ver organismos sindicais de todos os quadrantes a roerem no último momento as esperanças neles depositados.
Talvez porque na proa do ministério seja recorrente a presença de sociopatas ou de testas de ferro de sociopatas.
Talvez porque na proa do ministério seja recorrente a presença de quem seja manipulador, culpabilizador e nunca culpado, que tudo sabe e nunca pode ser contrariado, controlador e dissimulado e nunca responsável pelos seus erros.
Talvez porque esteja cansado de ser tratado abaixo de pulga de cão.
Talvez porque o prazer e a ética estejam a ser esmagados por poderes com tiques de prepotência ditatorial.
Mas de certeza que é pelo vislumbre da luminosa epifania que, felizmente, ainda vai surgindo nos olhos dos que por obrigação social nos dão grande parte da sua juventude.
É a eles que tenho de prestar contas, não em aulas formatadas para uma cidadania de obediente pacotilha, mas em ações que lhes demonstrem que por muito que lhes digam que é inevitável, há sempre caminhos que podem ser desbravados e imposições que podem ser derrubadas.
É pelos alunos que estou em greve, para que no futuro eles possam não aceitar a palha que lhes apresentem por alimento.
Para refletir, aconselho a leitura dos poemas que todos conhecem, de alguém que também foi professor.
Lágrima de preta – Poema de António Gedeão (escritas.org)
Pedra Filosofal – Poema de António Gedeão (escritas.org)
José Alves AE Clara de Resende
Revisão de Teresa Santos
Me too
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Nunca houve tanta mordaça nas salas de professores. Ninguém conversa sobre os problemas por medo.
Era assim antes?
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Muito bom! É sobretudo por convicções, por preocupações com o futuro que os professores se deviam mover! Sempre me pautei por isso e, claro que me dei mal.
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Sobe o desabafo do João de nada ganhar com a luta, deixem-me dizer apenas isto. Estamos perante um dos maiores e mais graves ataques ao estatuto profissional, à estabilidad, à justiça e quidade que deveriam presidir ao funcionamento regular da escola pública e à dignidade da classe. Face a isto, todas as principais estruturas sindicais optam por adiar uns meses uma resposta séria, a pretexto de eventuais negociatas. Assim sendo, e perante esta verdadeira declaração de guerra, o STOP, após ter auscultado 6000 colegas, declara greve por tempo indeterminado. Aonde ficam então os dinossauros do costume? Ganhar? Perder? Ficar parado? Sentar-se em cima do muro a ver para que lado a coisa cai? Lutar a sério? Está tudo na nossa mão. Agora é o tudo ou nada.
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