Alguém com importantes responsabilidades académicas na área da formação de professores, recentes responsabilidades políticas na Câmara de Almada e co-autor do primeiro e único livro do actual ministro Costa (então ainda só secretário) sobre políticas educativas, decidiu partilhar ontem este texto na rede social facebook:
Tenho um colega que fez o curso do Magistério Primário comigo e acabamos com a mesma nota. No primeiro concurso ele estava à minha frente porque é mais velho que eu cerca de três semanas. Fomos colocados no mesmo dia, mas ele iniciou funções dois dias depois de mim, e, por isso, tenho mais dois dias de serviço que ele. A partir desse momento passei para à sua frente nos concursos, e vai ser assim até à reforma. Porquê?
Porque há uma coisa que se chama lista ordenada, cujos critérios de seriação são a nota do curso e o tempo de serviço. E é esta lista ordenada que ordena os docentes em qualquer concurso.
Seja eu o pior professor do mundo e este meu colega o mais competente, eu estarei SEMPRE à sua frente. Em todo e qualquer concurso. Isto faz algum sentido? Na minha opinião não faz.
Se ele morar em Nelas e concorrer a uma escola da sua terra, e eu que moro em Almada, caso tenho concorrido a todas as escolas do concelho de Nelas, estou à sua frente. Sou colocado na escola que ele queria, ele vai para “cascos de rolha” e depois estamos os dois a reclamar que estamos longe de casa. É um absurdo!
Contudo, esta é, desde sempre, e mantém-se, o tema em que todos os sindicatos dos professores não admitem qualquer alteração.
E esta é, na minha opinião, uma das mais fortes razões de crítica às pretensões dos sindicatos dos professores.
E todos os ministros que têm a veleidade de ousar propor qualquer medida que leve à mais pequena mudança disto são cilindrados.
Não conheço a pessoa em questão, pois não tem os seus dados profissionais disponíveis, de modo a aferir se foi ou ainda é professor. A única coisa que posso dizer é que o texto contém demasiadas inexactidões e truncagens de factos para ser partilhado por alguém que, como João Couvaneiro, tem a obrigação de saber que assim é.
Não vou entrar aqui na questão da cronologia dos cursos do Magistério Primário, que foram sendo progressivamente extintos a partir de 1986, pelo que ainda poderão naturalmente existir colegas em exercício que os tenham feito. Quem quiser aceder a um resumo sobre esta matéria pode espreitar aqui.
O problema é que a situação descrita não é verdadeira há muito tempo. Os dois dias de diferença na colocação, em especial no 1º ciclo no qual, tendo turma, existe horário completo, não implicavam contagem de tempo diferente porque, desde que se tivesse o horário completado até meados de Dezembro, o ano contaria integralmente para efeitos de concurso. Muito menos isso aconteceria por ter “entrado em funções” dois dias depois de uma colocação no mesmo dia. Se tal ocorresse, seria um erro grosseiro dos serviços administrativos e quando a DGRHE (ou a DREL/DRELVT na zona da grande Lisboa) eram organismos com autonomia técnica, motivo de reclamação que seria deferida. Em casos mais complicados, tudo acabava resolvido em Tribunal e, por acaso, até tenho por aí uma circular do início deste século a detalhar isso mesmo.
Para além disso, para a larga maioria dos professores, de uma forma ou outra, foi necessário fazer uma “profissionalização” cuja nota era combinada com a média do curso inicial de modo a obter-se a classificação com que se concorria para efeitos de entrada nos quadros de escola. Pelo que não é verdade, até à bolonhização da formação dos docentes, que se concorra para “SEMPRE” com a média de curso mais o tempo de serviço. Acresce a isso que criaturas como eu, que nem sempre tiveram horários completos o ano inteiro (e não apenas até Novembro ou Dezembro), tenham contagens de tempo “imperfeitas”.
Mas, mesmo que duas pessoas com a mesma média conseguissem sempre horários completos, não seria a colocação com dois dias de diferença, a menos que essa colocação fosse já na pausa do Natal ou no 2º período, que levaria a uma “ultrapassagem” permanente. As alterações a este regime foram posteriores, são já da responsabilidade de governos recentes e as regras mais draconianas de contagem do tempo de serviço são razoavelmente recentes.
É além disso “absurda” a descrição de alguém que decide concorrer para Nelas e depois afirma que ficaria a reclamar por estar longe de casa. É simples, não concorresse para Nelas, porque em Almada certamente teria vaga. E por dois dias, o colega não iria para nenhuns cascos de nenhuma rolha, mesmo que o exemplo seja dado apenas como caricatura. Para além de que, feito o curso do Magistério primário ali pela primeira metade dos anos 80, ao findar a década ou a abrir os anos 90, já estaria tudo vinculado em quadro de escola, pois esses foram os tempos gordos de vinculação rápida, devido à falta de professores.
O texto contém ainda partes que omitem informação relevante sobre os concursos ou sobre o reconhecimento do mérito, para efeitos de progressão na carreira e consequente remuneração (não para efeitos de concurso), na sequência da obtenção de graus académicos como o mestrado e doutoramento, algo que foi muito reduzido nos últimos 15 anos, em virtude da tal “bolonhização” e não só.
O texto está todo errado? Não, mas parte de uma premissa de base que é falsa. Ou que, no mínimo, está formulada de modo a induzir quem lê em erro.
Que alguém que tem, como já acima referi, relevantes responsabilidades académicas na formação de professores e já teve responsabilidades políticas de destaque numa autarquia que já avançou fortemente pela municipalização da Educação, partilhe isto como se fosse verdadeiro, sem qualquer tipo de crítica, é grave porque revela ou ignorância ou má-fé.
O ministro Costa sentiu-se “agastado” com as falsidades que espalham pelas redes sociais. Compreendo-o, mas a maioria delas vêm de gente que o apoia e defende as suas posições. As declaradas ou as encobertas.
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