Os Meandros Da “Municipalização” Da Educação – Braga

No início do ano lectivo, tinha sido anunciado que:

O Município de Braga disponibiliza a partir deste ano letivo um novo cartão escolar/wallet digital para a comunidade educativa dos 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário da rede pública do Concelho. Com este novo cartão, alunos, professores, funcionários e encarregados de educação poderão, de forma simples, efetuar e gerir os carregamentos do cartão escolar, que será usado nos serviços que são disponibilizados nas escolas, nomeadamente refeitório, bar, papelaria, reprografia e vending.

(…)

O novo cartão será entregue à comunidade educativa pelas respetivas escolas e a sua ativação poderá ser feita eletronicamente, através de uma plataforma de gestão municipal da educação – https://siga.edubox.pt –, cujos dados de acesso serão enviados aos encarregados de educação, pessoal docente e não docente.

No mural do colega Luís Costa foi divulgado um texto (não tenho a ligação, lamento, não somos bff virtuais), em que ele presta o seguinte testemunho, que espero poder transcrever sem o amofinar.

O velho cartão, que tinha a fotografia da escola bem repimpada, foi substituído por este, todo modernaço, todo “fashion”, todo municipal, todo… forasteiro. O saldo, esse, foi transferido para este retângulo, que, logo à primeira vista, me fez fornicoques. “C’um catano — pensei eu — não sou funcionário da câmara, pá! Nem quero ser!” E pensei cá para os meus botões que, findo o saldo, não voltaria a carregá-lo. Usá-lo-ia para as fotocópias, por ser obrigatório, por não ser possível de outro modo, mas não voltaria a usá-lo no bar.

Para mal dos meus pecados, não fui avisado de que estava a roçar perigosamente o limite, quando tomei o meu último café “municipal”. Quando já estava no seguinte — o tal que já não devia tomar — foi-me dito que o meu saldo já não dava. “Muito bem — pensei — vou ali carregar exatamente o necessário para pagar a dívida e põe-se uma pedra tumular sobre o assunto”. E fui.

— Não, setor, já não é possível carregar o cartão na escola. Tem de ir ali fora, àquela lojinha que fica ali no rés do chão daquela casa. Mas também pode carregá-lo através do “payshop”. 

— Ai sim?!

Mas que valente porra! Então eu já não posso carregar o cartão na escola? Tenho de ir ali, acolá, “payshopar” ou sei lá o quê?! Vade retro! 

Concluindo. Preciso de pagar uma dívida, e só posso cumprir esse dever com um cartão, mas não será o meu. Terei de arranjar alguém que, gentilmente, me faça esse pagamento municipalizado a troco de uma verba em “cash”, o que também é um pecado, uma vez que nas escolas não podemos mexer em dinheiro. Todos temos dinheiro na carteira, mexemos no dinheiro, mesmo dentro da escola, pagamos com dinheiro vivo em todo o lado, antes e depois das aulas, mas… na escola não pode ser. Os vírus não gostam, ficam irritados e acabam a propagar doenças ainda piores do que a municipalização.

Resumo Em Dois Pontos Da Prestação Do Ministro Costa No Parlamento

1º – O ministro Costa “ouviu”

Ouviu o quê?

Ouviu os protestos que ainda há um par de semanas considerava serem motivados por mentiras.

2º O ministro Costa “decidiu”.

Decidiu o quê?

Não avançar com as propostas que ele ainda há um par de semanas declarava não ter apresentado.

Às Arrecuas? Mas Não Era Tudo Mentira?

Ministro deixa cair intenção de escolas recrutarem 30% dos seus professores 

A criação de conselhos locais de diretores ainda não está a ser negociada e o objetivo, garantiu esta quarta-feira o ministro da Educação, no Parlamento, não é passar para este órgão a possibilidade de recrutamento de professores. A intenção de as escolas recrutarem 30% dos seus docentes foi abandonada. “Sabemos ouvir”, garantiu João Costa, referindo-se à contestação.

“Nunca propusemos a possibilidade de contratação por conselhos locais de diretores”, garantiu depois, referindo que a criação do órgão ainda não está a ser negociada. Momentos antes, em resposta ao deputado Alfredo Maia, do PCP, o ministro explicou que estes conselhos locais (que não devem corresponder geograficamente a concelhos) não terão competências ao nível do recrutamento para vinculação nos quadros ou contratação. A intenção, referiu dando o exemplo de Lisboa, por ser a região com maior falta de professores, é mitigar as dificuldades de substituição – duas escolas com dois horários de oito horas letivas cada puderem fazer uma “gestão agregada” para resolver o problema da falta de candidatos

[como se isso já não acontecesse agora… sem necessidade de “conselhos”…].

A graduação profissional, garantiu João Costa, vai manter-se como o “único critério” para efeitos de concurso. O Governo não quer é deixar de fora das negociações, defendeu, a possibilidade de as escolas recrutarem para alguns projetos e garantirem a permanência desses docentes por mais do que um ano.

[como se isso já não acontecesse agora… sem necessidade de “conselhos”…].

“Opinião”?

Sem grande vergonha nas faces, o ministro Costa considera que algo escrito em documento apresentado em reunião negocial não passa de “opinião”. Claro que me ocorre algum vernáculo acerca desta nova sonsice, como se as reuniões negociais fossem tertúlias, movidas a moscatel e bojardas.

Contratação directa pelas escolas é apenas uma “opinião”

Revelando um completo desrespeito pelas organizações sindicais, o ministro Costa decide que é no Parlamento que reformula as suas propostas negociais, enquanto, pelo caminho, acaba por confirmar que “mentiroso” não é quem ele acusou, mas quiçá quem ele vê ao espelho, quando o inquire sobre quem é o governante com mais habilideza retórica no reino da parvónia.

“Referência inócua” o tanas!

João Costa admitiu que algumas propostas apresentadas pelo ministério ajudaram a criar “alguma desinformação”. É o caso da “proposta de alinhamento dos Quadros de Zona Pedagógica (QZP) com as fronteiras das Comunidades Intermunicipais”. “Porque sabemos ouvir, entendemos que a referência a mapas em vez de quadros, ainda que inócua, tenha gerado apreensão, pelo que regressamos à designação tradicional na continuidade da negociação”, referiu ainda.

Qual “continuidade de negociação”? Está marcada para ontem?

Já agora.. isto significa apenas o potencial não avanço de algumas medidas, mas nada quanto à reversão de outras.

A Meia Verdade

O que o ministro Costa afirma é “verdade”. Até certo ponto. Propôs a gestão por conjuntos de municípios (as comunidades intermunicipais) e a sua contratação por Conselhos locais (Municipais) de Directores.

O ministro Costa é um habilidoso, mas quando ele aprendeu a jogar com as palavras, já eu tinha acabado esse módulo de sonsice há uns anos. É pena que muito pessoal ainda diga que está contra a “municipalização” das contratações porque, nessa formulação, permitem o desmentido ao sonso governante.

Falar Verdade a Mentir é algo que já foi parodiado por Almeida Garrett há quase 180 anos.

Ministro da Educação garante que Governo “nunca propôs” recrutamento de professores pelos municípios

Noticiário

Recolha do Livresco.

Greve ao primeiro tempo de cada docente com adesão de 80%, diz SIPE

Nas escolas de Moura 40 professores estão em greve até ao final do mês

Famalicão: Professores do Agrupamento de Pedome iniciam ano em protesto

Professores da Escola Secundária do Marco de Canaveses em greve pela “valorização” do ensino

Professores e funcionários da região de Leiria retomam protestos no regresso às aulas

Professores fazem cordão humano à porta da escola em protesto

Abrantes: Professores da Escola Dr. Manuel Fernandes arrancam segundo período em protesto

Fenprof entrega abaixo-assinado com mais de 45 mil subscritores ao Ministério

Professores ameaçam acampar junto ao ministério da Educação

Evidências

Só o ministro Costa e a sua corte bajuladora fingem não perceber.

Todos os meses se batem recordes de professores a deixar a profissão por atingirem a idade de reforma. A situação tende a piorar, sobretudo porque “ninguém quer ser professor”. No dia em que as aulas recomeçam após as férias de Natal, e numa altura em que o setor está em luta e há novas greves anunciadas, uma professora acabada de se reformar e uma que está no início de carreira confessam-se “desgastadas” e “desapontadas”