Maria de Lurdes Rodrigues chegou à Educação – não só ao ministério, mas à própria área da Educação – em 2005. Por vontade própria ou porque se acomodou a fazer o que a outros interessava, desenvolveu um conjunto de políticas que estão na origem, ou agravaram, muito do que agora aflige a docência e a própria Educação. Na altura, foi ela que decretou o primeiro congelamento da contagem do tempo de serviço e das progressões na carreira, logo em 2005, algo que nem sempre é recordado quando as análises se limitam aos anos do congelamento de 2011-2017, repartido entre três governos (PS e 2011, PSD/CDS em 2011-2015 e PS com “geringonça” em 2015-17). Na altura era ainda secretário-geral da Fenprof, Paulo Sucena. Em 2007, passaria a ser Mário Nogueira.
Por isso, não deixa de ser curioso ler a análise de ambos sobre a situação actual, sendo que coincidem na auto-desculpabilização sobre o que se passou, uma omitindo que foi sua a responsabilidade por colocar em marcha a máquina trituradora dos docentes, num exercício de hipocrisia que a deveria envergonhar se praticasse a vergonha em causa própria, o outro não percebendo que em momentos-chave, mais do que limitar perdas, as ajudou a consolidar. Pior mesmo é confundir a Fenprof com todos os professores, iniciando o seu texto da seguinte forma “As greves convocadas pelos sindicatos de professores a partir de 16 de Janeiro constituem uma forma de luta particularmente pujante, mas inscrevem-se num combate de décadas pela Escola Pública, intensificado a partir de 2018”. Goste ou não do S.TO.P. e do seu líder e estratégias, as greves de professores não começaram a 16 de Janeiro e a sua intensidade já vinha de semanas de luta; assim como apagar o período de activo colaboracionismo com o ME até 2018 faz lembrar a amnésia da “reitora” em relação ao próprio passado.
O nível de responsabilidade é diferente? Claro que sim e por isso mesmo é que a classificação, por Mário Nogueira, da história recente da Educação e da docência em períodos “antes de LR” e “depois de LR” é correcta e alinha com a análise que muitos já fizeram dos últimos 20 anos nesta área da governação. Mas é errado minimizar erros próprios no modo como colaborou na “solução” dos conflitos que ele próprio identifica: em 2008 antes de mais, mas também em 2013 e 2018. O conservadorismo “institucional” demonstrado e a aparente falta de confiança na capacidade de mobilização dos docentes foi evidente em vários momentos. O que deu origem ao fenómeno S.TO.P. que não pode limitar-se à análise simplória que o acusa de “populismo”.Até porque muitas vezes essa acusação é feita por gente com suficiente formação política e histórica para não gastarem esse tipo de qualificativos de forma irresponsável. mesmo se se percebe que é de modo instrumental, para colocar em outros a “culpa” pela “radicalização”. O que agradecem muitos do que outrora demonizaram Mário Nogueira, para agora demonizarem André Pestana, ou fazerem-no a meias. O que pode interessar a muita gente, menos aos professores que querem ver as suas razões de queixa atendidas nos pontos mais importante, em vez de assistirem a encenações.
Maria de Lurdes Rodrigues e Mário Nogueira são duas faces, mesmo que assimétricas (nas responsabilidades, num caso; no tempo, em outro), de quase duas décadas de muito má memória para @s professor@s. Ler a forma como auto-analisam estes anos serve para que se perceba que até podem ter razão em alguns diagnósticos ou sugestões de cura, mas que o fazem de modo oportunista ou com memória selectiva.
Já quanto ao S.TO.P. e a André Pestana, que tanto quiseram chegar ao campeonato dos “grandes”, agora precisam decidir se adoptam os mesmos tiques dos antecessores, se continuam na correria que os deixará, dentro em pouco, com o pelotão todo esfrangalhado, se têm a capacidade de parar um pouco para reflectir, perceber que os credos ideológicos devem ficar no seu lugar e não contaminar o que exige uma análise pragmática e transparente: querem defender os interesses dos professores ou algo diferente, algo mais… Paulo Sucena em 2019 explicava que a Fenprof nunca quis ser “corporativa”.e explica “que a sua estratégia era guiada para obter melhores condições socioeconómicas, de trabalho, nomeadamente dos professores, mas também numa perspetiva de justiça social, de melhoria da nossa sociedade como um todo. Não era centrada nas questões corporativas.”
Em 2008 percebemos isso da pior maneira e o ressentimento é muito grande. E seria bom que Mário Nogueira e as segundas linhas da Fenprof percebessem isso.
Se tinham ou têm vergonha de ser “corporativos” mudem de nome e não nos enganem.
O mesmo se aplica a André Pestana: se o incomoda ou limita ser apenas representante dos professores, é bom que o aclare mais do que mudar o nome do sindicato.
Porque ficamos sem saber a quem “servem” sindicatos embaraçados por representarem uma classe específica.
Porque os professores precisam, com muita urgência e vontade, de alguém que os defenda sem vergonhas, sem agendas paralelas, sem objectivos além da classe docente.
(e, principalmente, que os seus fiéis não optem pelas estratégias de enlameamento de quem discorda da sua linha, como aquelas que lhes desagradam quando são lançadas na sua direcção. Não nos faz falta mais uma (mini) Fenprof. Pluralidade e democracia é respeitar as visões divergentes, argumentar, demonstrar a sua razão, não querer calar em nome de “unidades”, à moda do que outros já tentaram… e falharam)
Porque do “outro lado” ninguém está com esse tipo de pruridos. O ataque é firme, concertado e sem brechas. Ao contrário dos professores que parecem andar a ser representados sempre por quem parece achar “corporativo”, num sentido negativo, o que em outras classes profissionais qualificadas é visto como um factor de união, mesmo que seja na diversidade: enfermeiros, médicos, advogados, juízes, polícias ou oficiais de justiça lutam, de diferentes formas, pelos seus direitos, sem embaraços, não pelos dos vizinhos, sem que isso signifique falta de solidariedade, mas apenas noção das prioridades.