A Burrocracia – Um Desabafo

Este é o problema que mina o quotidiano das escolas. O delírio, o êxtase da reunião, como isso significasse necessariamente “colaboração” e não mera imposição.

Ainda há uns dias, lia a prosa de um director contra a burocracia, afirmando ele que qualquer reunião tem de ter uma razão de ser. Esquecia-se o shôr dôtôr director que já fui árbitro de um processo de add no agrupamento dele e tive acesso ao desvario que vai por lá, pois ele parece achar “sentido” em todo o tipo de reuniões. Verdade se diga que ele prefere reuniões de “convívio”, quase sempre com o mesmo “perfil” de participantes) para colocar no fbook. Nada como a hipocrisia, com chancela de cortesão costista.

O caso que se segue é outro. Digamos que é mais um cortesão em busca de registos para as “evidências” que quer mostrar para uma carreira além-agrupamento básico. Ou na área política. qualquer coisa. Desde que consiga.

Obviamente, retirei elementos identificativos, porque sei que há quem por aqui passe e venha espreitar para depois “bufar”. Porque há por aí muito disso, por vezes com mantos de “luta”. Basta ver como “lutadores” exímios não mexem uma palha em relação à implementação das provas de aferição nos “seus” agrupamentos, não vá o currículo ficar manchado.

Como é possível acreditar que o ministro Costa pretende combater a deriva burrocrática, se isto é obra de um dos seus mais dilectos seguidores?

[nome de docente], convocad@ para esta reunião enquanto Diretora da Turma X do (…)º ano, e na sequência de observação feita à Direção, seguida de esclarecimento, reforço a minha discordância com o facto desta reunião ser dirigida, também, aos Diretores de Turma. 

Em jeito de introito, relembro que:

• desde o início do 3º Período (3 semanas se passaram), já estive presente em reuniões de: encarregados de educação; Provas de Aferição de 2º ano; Simulação das provas de aferição de 5º ano

• estarei, ainda durante esta semana, em reuniões de: Departamento, Grupo Disciplinar, Provas de 2º e 3º Ciclo

Importa referir e registar que todas estas reuniões têm início após as 19h10 – horário pós-laboral.

Decorrente dos cargos que desempenho tive à minha responsabilidade, nestas últimas semanas, documentos como: 

• elaboração da ata de reunião de pais e encarregados de educação

• análise e tratamento de dados inerentes à avaliação do 2º Período ao nível do Departamento de (…)

• compilação e registo de dados por forma a serem apresentados em Conselho Pedagógico

• compilação de informação, registo e revisão da ata de Conselho Pedagógico

• realização da Informação das Provas de Equivalência à Frequência de (…).

• compilação, a nível do Departamento, das Informações das Provas de Equivalência à Frequência

• constituição de equipas/júris para as Provas de Equivalência à Frequência

• guiões de reunião

E sabe-se que não é só destas reuniões e documentos que é feito o trabalho do professor e do Diretor de Turma e o quão exigente é.

Numa escola onde é permanente a necessidade do contacto diário com alunos e encarregados de educação, bem como dar resposta a tanto o que presentemente é solicitado pela tutela, penso que deve haver, por parte de quem lidera – Direção – preocupação com a saúde mental dos professores e não somente das crianças/jovens, tentado de alguma forma organizar e liderar sem sobrecarregar, o que, na minha perspetiva, não está a acontecer.

Assim, e agora com foco na presente reunião, como tive oportunidade de referir ao Dirigente escolar/ Presidente desta reunião, (…), sendo esta uma reunião de preparação para simulação das provas de aferição e em que a presença do Diretor de Turma serve somente para receber e passar informação, acione-se outros meios para o efeito, nomeadamente o e-mail institucional ou outros dentro do horário laboral.

Já Foi Aceite Na Assembleia

As mais de 13.000 assinaturas, conseguidas em relativamente pouco tempo, podem ajudar a entender o que anda a minar a vida nas escolas e o que provoca uma evidente resistência. Repare-se que outras causas não conseguiram metade ou menos desta a adesão e a um olhar menos atento poderiam parecer mais apelativas.

Há que perceber qual é a verdadeira burocracia que mina o bem-estar nas escolas, produzindo burrocracia redundante e escusada, só servindo para revelar a desconfiança que existe sobre o trabalho dos professores por parte de luminárias em final de carreira e sua descendência. Nada disto é novo, sendo apenas sela nova em burro velho. Muito menos poderá ser apresentado como “inovação pedagógica”.

Petição – Fim do Projeto Maia

A Burrocracia Na Educação

(…)

The Corporatisation of Education: Bureaucracy, boredom, and Transformative Possibilities

Given the reality of relentless bureaucratic expansion and increasingly circumscribed opportunities for institutional actors to push back against this expansion, this paper has examined the cluster of affects likely to either support and impede efforts to return educators’ focus to the creation and sharing of knowledge. We have suggested that the imposition of hyperbureaucracy and managerialism may give rise to a variety of affective responses, including boredom. On our account, boredom represents both a liability but also a potential resource for the ongoing work of knowledge creation, and for interrupting bureaucratic encroachment. This discussion has sought to trouble the idea that educator boredom may result in a resigned acquiescence among educators to intensifying bureaucratic regimes and exploitative workloads. Indeed, whilst boredom may be experienced as detachment from the central activities of knowledge creation and a growing sense of purposelessness, we have suggested that it may also serve to ultimately
revitalise efforts to reclaim those activities.

Aquilo Da Burrocracia

Todos temos as nossas instruções, umas mais longas, outras mais curtas. E temos as práticas, umas mais literais, outras mais flexíveis. e temos os mecanismos de controlo interno, uns mais disparatados, outros mais sensatos.

Mas há coisas que, por estas alturas, é quase impossível não destacar, por tudo aquilo que revelam da mentalidade de algumas elites pseudo-pedagógicas de alguns agrupamentos e escolas.

Para evitar chatices a quem me cedeu um par de documentos, vou apenas transcrever umas passagens, neste caso de um “guião” para a elaboração da acta do segundo período.

A ordem de trabalhos tem oito-pontos-oito, alguns subdivididos.

No primeiro deles, numa dessas subdivisões pode ler-se:

Identificação da qualidade do sucesso.
❖ Referir os alunos com média igual ou superior a 17,5 valores, identificando as competências/capacidades que levaram ao sucesso.
Exemplos: Estudo diário, organização dos materiais pedagógicos, capacidade de concentração e de trabalho na sala de aula, autonomia, curiosidade…
❖ Referir os alunos com média igual ou inferior a 11,4 valores, identificando os constrangimentos que não proporcionaram classificações mais elevadas.
Exemplos: Ausência de estudo diário, desorganização dos materiais pedagógicos, falta de concentração e de trabalho na sala de aula, pouca autonomia, pouca curiosidade, pouca corresponsabilização do EE.
❖ Fazer uma análise, por disciplina, sempre que exista um número significativo de classificações inferiores a dez ou de classificações elevadas, identificando os constrangimentos que levaram ao insucesso ou os fatores que levaram ao sucesso, respetivamente.

No segundo ponto, sobre a assiduidade, pouco é deixado ao acaso.

❖ Na assiduidade deve-se ter em consideração as faltas injustificadas. A terminologia a utilizar na apreciação é:
Insuficiente– superior 20 faltas.
Suficiente – de 11 a 20 faltas
Bom– de 6 a 10 faltas
Muito Bom – inferior a 6 faltas

  • Devem especificar-se casos particulares de alunos que já tenham atingido metade ou o limite de faltas injustificadas, referindo as respetivas disciplinas.
  • Devem especificar-se quais os alunos que ultrapassaram o limite de faltas injustificadas e quais as atividades de recuperação a que foram sujeitos.
  • Salientar casos de alunos com muitas faltas (pelo menos um terço), mesmo que justificadas, referindo o motivo.
  • Caso algum aluno esteja em situação de ser excluído por faltas, devem ficar registadas todas as diligências anteriormente efetuadas, bem como a decisão tomada pelo conselho de turma. Se houver alunos maiores de 18 anos que tenham ultrapassado o limite de faltas por disciplina o conselho de turma deve propor a sua exclusão.

Atenção que ainda se está a um quarto do trajecto e já vejo aqui material para horas de diligentes descrições em actas, a suscitar, por certo, cuidadoso “pente-fino” de verificação posterior, que isto não é de se confiar em ninguém.

Há quem diga que é accountability, mas a mim parece mais accounting.

Sim, é verdade que o ME condiciona muito a acção das escolas e há um medo ancestral das “inspecções” (alguém antes de ser ministro chegou a considerar que funcionavam como “comissários políticos” nas escolas até que, quando foi ministro, não achou disparatado fazer algo do género), mas não me venham dizer que este claro sintoma de retenção anal não resolvida não parte de “dentro” das escolas. Porque sim. E nem é bom pensar em toda a conversa de chacha que depois se desenvolve em torno disto, com a cosmética da “preocupação” com o desempenho dos alunos, porque (they) believe the children are our future, como dizia aquela senhora que já morreu.

Por Mirandela

,leio no mural do colega Rui Feliciano que:

No AEMirandela não se realizam reuniões de avaliação, em resposta ao aumento da carga burocrática! Estamos atentos ao dia 5 de abril. Afinal é possível!

Contra mim, falo, que fiz a reunião da minha DT, hoje, logo pela manhã, sem percalços. Verdade se diga que durou pouco mais de 30 minutos e só fez cruzinhas em PAPIs quem assim o entendeu fazer. E mais nada foi pedido, para além do lançamento das notas.

Colocaria as coisas assim: “afinal também é possível fazer reuniões sem derivas burocráticas”, assim se resista localmente à sua imposição (a partir dos grupos disciplinares e dos departamentos) e não se ceda à tentação de exigir aos outros que demonstrem que fizeram a sua obrigação, em forma de preenchimentos desnecessários. Vamos ser sinceros… sabe-se muito bem quem faz ou não faz, sendo que quem não faz, tantas vezes sabe representar que fez.

Sim, há quem por vezes goste de escapar por entre os pingos da chuva, mas o maior problema são os que se armam em controleir@s, quantas vezes sem qualquer moral reconhecida para tal.

2ª Feira

O excesso da carga burocrática, resultando em muito das imposições redundantes e hiper-controleiras da tutela, também se deve a uma imensa falta de bom senso – ou excesso de papismo interno – de muitos dos professores que, em situações de “chefia” ou “chefia intermédia”, não sabe estancar parte do fenómeno, antes o amplificando, para aparentar uma excelência e uma preocupação com as aprendizagens dos alunos cujo lugar certo é a sala de aula e não o rabo sentado diante do computador. E a expressão dessa preocupação não é a conversa fiada, requentada e recauchutada de formações de qualidade “científica” mais do que duvidosa, traduzida em grelhas de registo e monitorização da desconfiança com o trabalho dos colegas, mas o contacto directo, quotidiano, praticando uma efectiva colaboração e entreajuda, mesmo que não fique registada em papelada física ou digital.

A burrocracia é obra de burros, porque não se traduz em eficácia, mas apenas em sobrecarga e redundância.

Como Feedback Parece-me Esclarecedor

A petição continua aberta. Em menos de uma semana a adesão foi esmagadora, não porque @s professor@s desprezem mudanças ou inovações na avaliação das aprendizagens dos alunos, mas sim porque não aceitam coisas recauchutadas, destinadas apenas a criar camadas de burocracia e gasto inútil de tempo na elaboração de um rigor ficcionado em torno dessa avaliação. Que muitas escolas e algumas elites iluminadas por muita “formação” ainda tornam pior do que a teorização original, herdada das últimas décadas do século XX, após as suas origens nos anos 60 e 70 com Cronbach, Scrive ou Bloom. Ali pela altura em que nasci e fui para a Primária.

A Chegar Às 4700 Assinaturas Em Pouco Mais De Um Dia

A petição para acabar com o projecto Maia nas escolas e com ele um completo delírio de burrocracia inútil e baseada na desconfiança acerca do trabalho e responsabilidade dos professores.

Morra!

PIM!

(ainda não coloquei o nome da autora, porque ela ainda não me respondeu se posso…)

Uma Petição Muito Simples Que Assinei Com Muito Gosto

Devia ser usada, na sua singeleza, pelos sindicatos, naquela parte sobre a burocracia, nas pseudo-negociações em curso.

Fim do Projeto MAIA

Para: Ex.mo Senhor Ministro da Educação

Fim do Projeto MAIA
O projeto MAIA, Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica, criado em 2019, reduz a educação e a avaliação a um processo burocrático.
O excesso de trabalho que este projeto trouxe à Escola leva os professores a perderem a autonomia científica e pedagógica, e traduz-se em menos tempo disponível para os alunos e para a preparação das aulas.