O tema começa a chegar ao mainstream comunicacional, parecendo que, pela primeira vez, se percebe que o ministro Costa é, no mínimo, “ambíguo” para aproveitar a caracterização feita por Andreia Sanches no Público. Eu percebo que não dê para ir mais longe, mas já todos percebemos que esta “ambiguidade” é voluntária e estrutural na forma de estar do ex-secretário Costa. Gosto sempre quando mais pessoas percebem o que, em tempos, tentei explicar, sendo com frequência mal entendido e mesmo visto como alguém com uma especial malapata pessoal contra João Costa. Nada disso. Apenas dava para perceber as coisas nas entrelinhas. Não se envelhece impunemente, para o mal e o bem.
Quanto à peça sobre a natureza da presente contestação, por entre as declarações de responsáveis sindicais, temos a do sociólogo António Casimiro Ferreira que opta por associar as estratégias do S.TO.P. a um “populismo sindical”, comparando-o por antecipação ao do anunciado sindicato do Chega. Quanto à “atomização”, o que se passou no dia 17 é a demonstração, pelo exemplo concreto, do oposto.
E o que é o populismo sindical? Passa por uma contestação que “vai sendo cada vez mais inorgânica e atomizada”, pela “apropriação do desconforto individual existente” que é “facilmente capturado por estas organizações”, descreve Casimiro Ferreira. Segundo ele, é o que tem acontecido com as acções desenvolvidas pelo Stop, que é um “sindicato de esquerda”, e que poderá acontecer com o “novo” movimento sindical já prometido pelo Chega.
E a parada analítica sobe quando caracteriza as presentes movimentações sindicais num domínio de quase conflito com as regras democráticas.
A estratégia reivindicativa deste tipo de movimentos passa por se afirmaram “sempre em oposição a outros”, numa espécie de “euforia reivindicativa”, expressa em afirmações do tipo “Agora é que vai ser”.
Refere ainda Casimiro Ferreira que, embora a agenda reivindicativa seja comum a todos os sindicatos de professores, o Stop tem tentado também “acelerar o processo reivindicativo quando os outros estão a negociar”, numa espécie de “dumping sindical” que faz como que “a regulação democrática do conflito se vá perdendo”.
O que não entendo deste tipo de análise – e repare-se que eu nem fui adepto da “greve por tempo indeterminado” – é o modo como se salta logo para expressões como “dumping sindical” e a perda de “regulação democrática do conflito”.
Por analogia ao dumping laboral ou dumping social, o dumping sindical significaria o abaixamento do nível das exigências feitas pelos sindicatos, quando se trata exactamente do contrário.
Social dumping (…) The practice whereby workers are given pay and / or working and living conditions which are sub-standard compared to those specified by law or collective agreements in the relevant labour market, or otherwise prevalent there.
Aliás, a expressão dumping sindical nem sequer tem sido adoptada , parecendo que o sociólogo em causa a aplica de forma muito pouco rigorosa, mais como crítica do que como categoria analítica. Por outro lado, percebe-se melhor porque as suas ideias já são, há algum tempo, apreciadas pelo “velho sindicalismo”, porque criticam o maior individualismo do “novo sindicalismo”.
Quando à “regulação democrática do conflito” estar em causa, seria interessante perceber porquê, pois se existe um sindicato legalmente constituído, que também está envolvido nas negociações, o qual convoca uma greve e uma manifestação com elevada participação da classe profissional envolvida, onde estão em causa os mecanismos democráticos de tudo isto? a sensação que fica é que o sociólogo está mais preocupado com as consequências política de um sindicalismo mais próximo das suas origens do que propriamente com a utilização de um vocabulário adequado para descrever a situação.
Em boa verdade, esta presente análise até parece contrariar um diagnóstico recente, do mesmo autor, sobre a regulação dos conflitos laborais em Portugal, que considera ser “débil” e pouco eficaz. E isso é que me parece ser “anti-democrático”.
No entanto, o sistema de resolução dos conflitos laborais português é um sistema débil e bloqueado que evidencia uma forte discrepância entre as possibilidades legais e as práticas sociais. Sendo débil, está mais aberto às pressões exógenas, ao papel desempenhado pelo Estado, à situação da economia nacional e aos poderes de facto. Estando bloqueado, impede a organização e coordenação interna, promove a inefectividade dos direitos laborais e permite os comportamentos «free ride». Esta é uma questão perturbante, tanto mais que as formas de resolução dos conflitos laborais fazem parte do núcleo duro dos sistemas de relações laborais e são peças fundamentais para tornar mais democráticas e mais cívicas as relações laborais.
Que surja um sindicato – repito, ao qual não pertenço ou penso vir a pertencer – que corporize a insatisfação de boa parte da classe que representa, merece um outro tipo de caracterização que não o demagógico e muito gasto epíteto do “populismo” ou mesmo de “anti-democrático”, em especial à luz do conteúdo de declarações, como as da recente entrevista do actual primeiro-ministro.
Fiquem, ao menos, as declarações de dois professores em exercício, que sempre podem dar a visão das coias a partir da “base”, até porque ficam expressamente declaradas as suas simpatias.
O professor de História Ricardo Silva, que tem participado nas acções do Stop, tem outro ponto de vista: “os professores estão muitíssimo desiludidos com a inércia, ineficácia, e duvidosa estratégia de luta dos sindicatos “mainstream”, que parecem não conseguir ler os reais motivos do cansaço, exaustão e revolta da classe docente que deviam representar, com muito mais assertividade, constância, acutilância e ligação às bases”.
Também Anabela Magalhães, que se filiou no novo sindicato depois de pertencer a uma das estruturas da Fenprof, critica a “obscena apatia dos sindicatos do sistema”. “Sentimos que se encontram enquadrados em forças partidárias, manietados por forças partidárias e que não sabem, não podem ou não querem capitalizar este descontentamento e revolta”, refere.
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