Há uns dias falava com uma colega contratada que esteve na minha escola durante uns 5 meses, a quase 400 km de casa. Estava no meu grupo, (200) leccionando H.G.P. e Português. Quando a baixa médica da colega que estava a substituir terminou, teve de se ir embora, em busca de nova colocação. Felizmente, conseguiu colocação pouco depois, ligeiramente mais perto, a pouco mais de 350 km da família e amigos. Mas no grupo 230, tendo passado os últimos quatro meses lectivos a dar aulas de Matemática e Ciências. Porquê? Porque fez um daqueles cursos de “professor generalista”, criados em tempos da troika Maria/Jorge/Valter para aplicar ao 2º ciclo (e quiçá ao 3º) uma lógica de professor multifunções – mais do que propriamente monodocente – em que qualquer pessoa pode servir para fazer qualquer coisa, independentemente do que isso signifique para docentes e discentes. No caso de alguns colegas contratad@s que conheci com esta formação, não é sequer de estranhar que, para completarem horário, estejam numa escola com horário do 200 e, em simultâneo, em outra, no 220, 230 ou mesmo 240.
Porque o professor como peça de engrenagem, intermutável, tem sido uma das facetas da política de desqualificação académica dos docentes e à sua separação de um saber disciplinar específico (“enciclopédico” para o ministro dos advérbios que nesse particular apenas mudou alguma terminologia, mantendo a prática de desvalorizar o Conhecimento em prol das fancarias de ocasião) que se tem desenvolvido nos últimos 20 anos, sem qualquer oposição digna desse nome na esfera política, da esquerda “radical à direita mais extremada (salvo muito escassas excepções), tendo chancela de vários especialistas que consideram que “saber ensinar” deve estar antes do “saber” e que isso afirmam – verdade seja dita – há variadíssimas décadas, parecendo discos riscados.
Essa minha colega, sendo rapariga de recursos, conseguiu “mudar o chip” num par de semanas, mas há quem tenha de o fazer ao longo do mesmo dia, saltando entre escolas, aqui ensinando uma coisa, ali outra, conforme o que está disponível. Os “liberais” apoiam esta “flexibilidade”, do ponto de vista da “gestão racional dos recursos humanos”, os teorizadores da esquerda patchouly apoiam-na do ponto de “transversalidade curricular e pedagógica” e os outros assinam por baixo, porque não estão para se chatear sequer com o assunto.
Por tudo isto, quando leio que o governo mandou abrir mais vagas para os cursos de formação de professores, num contexto de resposta muito tardia a uma “emergência”, fico com muito receio com o tipo de cursos que vão existir e se não será apenas mais um passo para que a docência se torne uma função indiferenciada, em que a formação é uma espécie de pout-pourri, sendo os futuros professores lançados às feras depois de umas demãos e besuntadelas dadas em seminários semestrais feitos a correr sobre um pouco de tudo e nada de quase tudo em particular.
E será mesmo que aquela de integrarem estágios práticos logo nos primeiros tempos dos cursos não será apenas uma forma de arranjar rapidamente quem “tape buracos” de forma barata e dê a ilusão de estar a resolver um problema que só existe porque se afastaram à força uns 20-30.000 candidatos à docência, devidamente qualificados, alegando “rigor na selecção e recrutamento” (a PACC de MLR aplicada por Crato e muito evocada por Justino) ou a “boa governança das finanças públicas” (as regras dos horários a concurso de Alexandra Leitão, na esteira de muitos que a antecederam como subscretários das Finanças para a Educação)?
Voltando aos colegas “generalistas”… será que alguém percebe o nível de exigência que implica andar-se a leccionar 4-5-6 disciplinas ao mesmo tempo (basta juntar uma DT com Formação Pessoal e Social e a sacrossanta Cidadania e Desenvolvimento) em duas ou mais escolas em troca de uma posição precária e materialmente pouco compensadora? E entre este “alguém”, inclui muita gente que bate no peito em defesa dos professores quando acha que isso lhe pode dar votos ou destaque mas, no concreto, nada fez para impedir estas situações.