Domingo

Dia de eleições, dia que se diz se o culminar do regime democrático em que vivemos, quando todos os cidadãos são chamados a votar, em igualdade, para os seus representantes que, a partir do Parlamento, fazem as leis e escolhem os governantes. Infelizmente, há quem ache que o papel dos cidadãos se deve restringir a esta intervenção e que o resto fica por conta dos “representantes” que, após eleitos, receberão uma espécie de mandato em branco pelo qual não devem prestar contas, sem ser entre si. Discordo. Como discordo de quem defende que o sistema deve manter-se a funcionar no esquema das listas decididas por aparelhos partidários, pois ninguém vota nº 3º, 5º ou 7º elemento de uma lista. Cada vez mais, preferiria um sistema em que se vota individualmente nos candidatos, independentemente dos partidos.

Ou seja, votar no candidato que por acaso é do partido A e não votar no partido A que tem uma lista de deputados que depois são “eleitos” com base numa distribuição dos votos. Da mesma forma, discordo de quem diz que a avaliação dos governantes é feita nas urnas, pois eu não voto nesses governantes. Isso acontece em alguns casos, por exemplos nos Estados Unidos, em que a nível local se vota para cargos específicos. No meu caso, em Portugal, não tenho a possibilidade de avaliar um ou dois ministros em particular. A vitória de um partido que tenha formado governo, implica que concordo com todas as suas políticas e acho, no mínimo, bons todos os governantes escolhidos pelo líder do partido com mais votos ou que conseguiu o apoio do maior número de deputados?

Defender um aprofundamento dos procedimentos democráticos não é estar contra a democracia, apenas contra a forma que ela adquiriu, dominada por um espartilho que considera que a “soberania” é transferida para os representantes enquanto estão no Parlamento e os cidadãos devem manter-se passivos no entretanto, mais ou menos manifestação. A evolução para “democracias iliberais” é evidente em algumas zonas da Europa (em especial onde existiram “democracias populares”), mas mesmo no Ocidente atlântico cada vez surgem mais restrições ao próprio direito de voto (nos E.U.A:, em muitos estados isso está a acontecer de modo assustador) ou ao exercício da cidadania (limitações ao sindicalismo, ao direito a manifestação) e é um fenómeno que precede a pandemia, pelo que não vale uns (alegados defensores da democracia) dizerem que teve de ser por causa da pandemia e outros (críticos claros da democracia liberal) que a pandemia justificou tudo.

Mais do que nunca, as campanhas eleitorais são um campeonato de mentiras e distorções, truncagem de informação, números de entretenimento e chalaças, notícias plantadas a gosto e tudo aquilo que torna a democracia vulnerável a ataques e críticas, assim como à desmobilização dos que nela acreditam como modelo mas não como esta prática indecorosa a que assistimos de jogos de influências, incumprimento de promessas e rápida transformação de “radicais” em adeptos do sistema. Em que quem anuncia querer destruir a loja, começa por dizer que quer um lugar ao balcão, junto à caixa registadora.

Esta noite, teremos algo que deixará os comentadores futebolísticos a pensar como até são gente séria e rigorosa, porque a análise dos resultados de umas eleições como estas, que se adivinham de desfecho fragmentado será uma espécie de concurso de talentos, servindo de antecipação e substituição das máscaras do Carnaval. E muitos irão ver, mesmo os abstencionistas, a transformação do momento maior da vida democrática numa cacofonia circense, em que corre o riso de passar por vencedores os maiores palhaços.

Dia De Reflexão?

Faz mais falta como dia de descanso e pausa na cacofonia. Mas para isso é mesmo indispensável não andar pelas redes sociais que estão mesmo a deitar por fora de disparates.

Quanto a previsões, só no final do prélio, mas espero que ganhe o Sporting, mesmo se até eu começo a perder a paciência com o Paulinho e acho que até o Slimani quase tão gordo como eu é capaz de fazer melhor.

4ª Feira

Quando o aroma de um lugar junto ao poder que no Estado decide se sente, nem que seja por migalhas, há quem subitamente descubra convicções que se desconheciam e até criaturas falantes como o Marques Mendes descobre qualidade para primeiro-ministro em Rui Rio que durante meses negava, atribuindo-as ao que o desafiava na liderança do PSD. A vergonha e o decoro escasseiam quando está em causa o mínimo estilhaço da já cansada bazuka.

As Queixinhas Do Costume

Tem barbas brancas e longas a estratégia de culpar a comunicação social sempre que, em campanha eleitoral, as coisas começam a correr menos bem ou mesmo mal. A comunicação social que semanas antes era só maravilhas e se levaram anos a engraxar. Em queda, Cavaco, Guterres, Santana Lopes, Sócrates, Passos Coelho e Portas e agora, algo inesperadamente, Costa, culpam em primeiro lugar uma alegada maioria tenebrosa de interesses mediáticos adversos e, nos últimos anos, as redes sociais (antes era a blogosfera) por acusações infundadas e distorções pelas quais TODOS são responsáveis e agentes bastante activos, havendo muito poucos inocentes nisto tudo. Depois das eleições, lá aparecem os remoques acerca da estupidez de um “povo” que anos antes os levou ao poder. Pelo meio, as “sondagens” que todos anseiam se são boas e desvalorizam se são más, raramente as contestando em termos técnicos, preferindo as acusações de manipulação política. Não percebendo que até podem servir, quando desfavoráveis, para um toque de alvorada e chamada das “tropas” à luta. Política. Se possível, honesta. O problema é que nestas fases impera o desvario, a hipérbole, a truncagem, a distorção, a mentira pura e simples que acaba por entusiasmar os já convencidos e afastar os indecisos. A prova de que a classe política tem um défice claro de inteligência e um nível claro de “aprendizagens perdidas” é que ao fim de décadas ainda está encravada, em quase todos os quadrantes, na teoria das “forças de bloqueio”.

A Culpa É Só Dos Debates E Programas Dos Partidos?

Ouviu-se um manso bruá a propósito da ausência da Educação como tema dos debates ou da forma quase residual como foi foi aflorado. Surgiram prosas inflamadas, opiniões quase contundentes acerca do assunto. E até poderia parecer que, de fora para dentro, a lacuna poderia ser contrariada, até por estarmos no meio de uma enorme confusão nas escolas com os efeitos da pandemia, apesar da mitigação excessiva do que são considerados contactos de alto risco (nem o parceiro com quem um caso positivo passou o dia lado a lado já o é) e do total fracasso da preparação de um qualquer novo período de ensino não-presencial ou híbrido.

Mas a verdade é que o abafamento da Educação como assunto de debate parece fazer parte de um consenso que não passa apenas pelos partidos, pelos seus estrategas ou líderes. Veja-se o caso dos temas que o Público seleccionou para inquirir os líderes dos partidos que tiveram representação parlamentar em 2019:

Tanto dramatismo, tanto estudo, tanta lágrima, tanta aprendizagem assassinada e a Educação nem entra no tipo 8 das preocupações?

Mas destacam-se 400 baixas de professores no início do 2º período (0,3% ou menos dos professores em exercício?). E a Fenprof diz que há 25.000 alunos (c. 2% do total no Ensino Não Superior) sem pelo menos um professor? A sério? Fizeram as contas como? Os meus, por esta ou aquela razão, desde Setembro, ainda não tiveram uma quinzena com as disciplinas todas. Há 2 e 3 anos estive praticamente todos os períodos sem professores de 2 disciplinas na minha dt, ao ponto dos alunos nem poderem ter notas. E em 2019 não havia pandemia.

Não ando mesmo com paciência para parvoíces.

4ª Feira

Em tempos antanhos havia o hábito de se fazerem debates “temáticos” com os especialistas de cada partido numa dada área da governação. Até existiam os chamados “ministros-sombra” ou porta-vozes dos principais partidos para este ou aquele tema. Agora são pequenos grandes líderes que são especialistas em tudo, pelo que não é de estranhar que por vezes cometam tantos erros (ou digam, pura e simplesmente, mentiras), nem sempre de forma voluntária.

Entretanto, ontem, ficámos a perceber que existe uma enorme variedade de opções para os eleitores chalupas. E que há quem faça parecer alguns outros praticamente razoáveis. Até tive pena da representante do MAS que, coitada, parecia cercada por matarruanos, não conseguindo deixar de sorrir.

O Erro Fundamental

Tenho dificuldade em compreender os arautos do “povo” que andam tão preocupados em chamar nomes e coisas assim ao extremoso dono da coelhinha Acácia, vulgo André Ventura, ex-cartilheiro em programa de futebolês. Pensando bem… não é propriamente “dificuldade”, porque eu percebo que aquilo é só preguiça, pois é mais fácil xingar sem parar o homem em vez de analisar as causas e culpas próprias por um número que parece crescente de pessoas do tal “povo” se sentir atraído pelo pretenso discurso anti-sistémico do Chega. Porque quem pensa votar no dito cujo, por alguma razão o fará e nem sempre essa razão será a mesma, mas talvez o conjunto de tais razões merecesse algum estudo e análise, em vez de considerarem “fascistas”, “idiotas” (ou outras coisas) quem vota em Ventura, o candidato a ministro dos 7%. O erro de não fazer isso e desconsiderar apenas uma parte dos eleitores como imbecis ou white trash foi o que, por exemplo, ajudou à derrota de Hillary Clinton às mãos de Donald Trump. Desprezar as razões do voto no Chega é prescindir de compreender parte do eleitorado. Eu posso considerar que votar no partido X é idiota (e considero que o é, em vários casos, não apenas num), mas percebo porque votam nesse partido, seja hábito, esperança clientelar, incapacidade de compreensão da acção desse mesmo partido ou medo mais ou menos irracional das alternativas.

Mas considerar apenas que votam nesse partido porque são idiotas e por isso nem merecem atenção, só tende a fazer crescer o sentimento de abandono e a vulnerabilidade ao que uns chamam “populismo”, esquecendo que quem tem 35% é capaz de ser mais populista nas suas promessas do que quem aparenta 6-8, talvez 5% dos votos. E por cada oliveirada do daniel, o ventura ganha votos, assim como por cada outra traulitada anti-chega de quem é visto como mera cabeça falante mediática ao serviço de cartilhas de diferentes cores, lá sobe mais umas décimas percentuais nas sondagens.