Este ano só estou a dar HGP e D, pelo que não tenho nada para adoptar, mas é impossível não ver as ilhas de caixotes a amontoarem-se nas salas de professores e arredores. Ou o que desses caixotes sai em catadupa.
Mas quero deixar bem claro o seguinte: de fazer um manual há mais de 20 anos era uma trabalheira a vários níveis, sendo mais complicada a parte da recolha das imagens e documentos que agora estão muito mais acessíveis, agora é uma hiper-trabalheira com toda a parafernália que envolve o manual em si e me tira qualquer vontade de sequer pensar em voltar a fazer a experiência. Pelo que tenho o maior respeito pela maior parte d@s autor@s que os fazem, sendo apenas menor em relação a quem os faz beneficiando de não estar a dar aulas, ao abrigo desta ou aquela mobilidade não causada por motivos de saúde. MAs agora não vamos entrar por aí, certo?
Só que o nível de desvario atingiu proporções quase épicas, com as flexibilidades, cidadanias, autonomias e inclusões. Por exemplo, pelo menos num caso existe no pacote um “manual inclusivo” que se anuncia “adaptado para alunos NAS”. Ora, em primeiro lugar eu não sei o que são alunos NAS, até porque me explicaram de há uns anos para cá que não devemos rotular os alunos, que todos são iguais e diferentes ao mesmo tempo e por isso mesmo é que ja não se deve dizer “alunos NEE” ou alunos com NEE”, entendendo-se por NEE, as antiquadas “necessidades educativas especiais”.
Mas parece que agora há alunos NAS, que são “alunos com medidas adicionais de suporte” como se lê no interior do “manual inclusivo, mas então deveria ser alunos “MAS”, mas não são, são NAS. Também se pode ler que são “alunos com medidas adicionais de suporte à aprendizagem universais, seletivas e/ou adicionais”, o que tudo junto daria MASAUSA ou separado MASAU, MASAS ou MASAA, se é que entendem por onde se poderia aprofundar esta questão.
O estranho, para além do manual “inclusivo” ter menos de 120 páginas e o “exclusivo” ter umas 200, apesar de se dizer que todos devem, no final, desenvolver as mesmas aprendizagens, é que pelos vistos a “inclusão” se manifesta da mesma forma para alunos com perfis de aprendizagem e com necessidade de medidas adicionais muito diversas, porque misturar as “universais” com as “adicionais” e achar-se que se pode “incluir” tudo no mesmo manual é manifestamente pouco flexível e diferenciado. Mal por mal, mais valia um só manual, certo? Ou então, uns quatro, correcto? Ou a grande diferença é incluírem um léxico mais alargado como se fosse esse o único problema a ultrapassar? Acaso entenderão tudo o que pode estar na origem de se aplicarem as chamadas medidas “selectivas” ou “adicionais”? Parece que não.
Perceba-se que eu levo demasiado a sério estas questões e não estou vagamente a brincar com as necessidades dos alunos, mas sim a questionar a lógica deste tipo de “manual inclusivo” e da ideologia que lhes está subjacente, que tem imensas lacunas e ainda mais incongruências na sua formulação e implementação.
Se há algo que o 54 tinha de positivo era aquilo do “multinível” e da possibilidade de transição entre níveis de abordagem das necessidades diagnosticadas nos alunos, admitindo a sua evolução e progressão ao longo do tempo e não uma espécie de carimbo definitivo para todo o ciclo de ensino ou, pior, para quase todo o Ensino Básico. Quase todo o resto é roupa velha com pespontos novos e uma utilização de uma linguagem envergonhada, meio críptica, a esconder as realidades por trás de formulações verborreicas e muita conversa anti-preconceito e anti-segregação e anti-catalogação. Bem ou mal.
Ora, um “manual inclusivo” implica que outros o não são. E designar alunos como “NAS” não me parece nada diferente de os designar como “NEE”. Tudo isto não passa de uma envernizadela de fraca qualidade. De uma mistificação. De algo igual ou pior ao que se critica.
Afinal, há preconceito, segregação e catalogação ao abrigo da “inclusão”.
Nada que já não se soubesse ou percebesse, por mais formações pasteurizadas que andem por aí a impingir. A “inclusão” na versão 54 é como o fato novo do Imperador. Todos fingem vê-lo e muitos elogiam-no de forma rasgada, mesmo se o dito cujo vai nu. Ou, na melhor das hipóteses, com umas ceroulas de marca.