O ministro Costa descobriu – ou descobriram para ele – uma nova expressão que atirou cá para fora com aquele ar ufano de quem descobriu palavras novas como, só para efeitos de exemplo, “tartufo”. A expressão é “efeitos assimétricos” e, na sua bobilíngua, aplica-se ao que ele considera efeitos diferenciados do congelamento da progressão na carreira para quem estava em diferentes escalões. Numa quantidade muito residual de casos, isso até poderia fazer sentido, se a dita “carreira” não tivesse sido atropelada em diversos momentos, subdividida em novos patamares e acrescentada de um novo “topo” em que se ganha o mesmo do que no antigo.
Eu exemplifico, no concreto, aqui com um caso do meu “quintal” porque, apesar de dizerem que nos devemos elevar acima das nossas circunstâncias, depois é preciso explicar as coisas com muito detalhe para que percebam (quem assim o quer, que há tartufos que nem querem saber disso) do que se está a falar.
Imaginemos que alguém tem a desdita de passar a quadro de agrupamento no dia 1 de Setembro de 2005, exactamente dois dias depois do início do primeiro congelamento da carreira. Carreira que tinha 10 escalões e a criatura estava no 7º, aos 40 anos, no índice salarial 218. Para efeitos de “suponhamos” concretamente, digamos que estava no primeiro ano desse escalão.
No dia 28 de Agosto de 2005, quando ainda era quadro de zona pedagógica, o seu horizonte de progressão era o seguinte de acordo com o Decreto-Lei n.º312/99, de 10 de agosto (aprovado por um governo de que partido? já adivinharam?) em 2007 passaria ao 8º escalão (índice 245), em 2011 ao 9º (índice 299) e em 2015 ao 10º (índice 340). Uma década, portanto.
Com esse congelamento que durou até ao fim de 2007 e com a aprovação do novo ECD (Decreto-Lei n.º15/2007, de 19 de janeiro) que criou os professores titulares passou a estar no 4º escalão (mesmo mantendo o índice 218), ficando o seu horizonte de progressão bloqueado pela existência de uma categoria (“professores titulares”) a que só poderia aceder um terço dos docentes. E o escalão em que estava, bem como o seguinte, criado de novo (o 5º, correspondente ao índice salariam 235, antes inexistente, portanto) passaram de 3 para 4 anos e o 6º passou a ter duração indefinida, por causa do tal bloqueio para o acesso aos 3 escalões de professor titular.
No descongelamento de 2008-10, este “suponhamos” conseguiu chegar mesmo no limite a esse 5º escalão (índice 235), que no Decreto-Lei n.º270/2009, de 30 de setembro passou a ter só 2 anos, em troca do aumento para 6 anos do 6º escalão (índice 245) e da criação de mais um escalão novo (7º, índice 272, inexistente antes). E de 9 passou-se para 10 escalões.
Mas em 2010 veio mais uma revisão da carreira (Decreto-Lei n.º75/2010, de 23 de junho, que criou um 10º escalão, índice 370, para compensar o aumento brutal das taxas, sobretaxas e outras fiscalidades) e em 2011 um novo congelamento que durou até 2017. E em 2017, o “suponhamos” continuava estacionado no índice 235 quando, ao entrar para quadro de agrupamento, por essa altura já deveria estar no 340.
E aqui começa, realmente a notar-se uma grande assimetria que, se fosse em outras instâncias, daria razão para processo contra o Estado por quebra de contrato e de qualquer confiança. No início de 2018, o horizonte de progressão passou a ser o de chegar ao índice 245 em 2019, ao 272 em 2023, ao 299 em 2027 e ao 340 em 2031 (aos 66 anos de idade, à beira da reforma), 26 anos depois da sua entrada em quadro de agrupamento. Isto superando o garrote da passagem no 6º escalão. Uma assimetria do caraças que aumentou em, no mínimo, 16 anos o acesso ao antigo “topo”. Nem falemos no 370, inatingível.
A recuperação dos 2 anos, 9 meses e 18 dias do tempo de serviço prestado, nem deu para recuperar um escalão. O “suponhamos”, beneficiando de menção de mérito para transitar do 6º ao 7º escalão, chegou em 2021 ao índice a que deveria ter acedido em 2011. Uma década depois, mais ou menos detalhe, mais ou menos reclamação irada em relação a uma avaliação do desempenho determinada na base do critério “simpatia pessoal”, do que estava determinado no início do seu “contrato” de professor do quadro de agrupamento. Mesmo que recupere os 6 anos e meio em dívida, ficará sempre com uma perda efectiva de vários anos na sua progressão (não falando em tudo o que deixou de receber no entretanto e que nunca alguém pretendeu pedir, ao contrário de uma vergonhosa conversa sobre “retroactivos” há uns anos atrás). E esta história nem sequer é das piores ou mais dramáticas.
Penso que esta “assimetria” – de pelo menos uma década entre serviço prestado e progressão real na carreira – poderia ser aquela a que se refere o ministro Costa se a sua conversa não fosse a de um tartufo com muito pouco decoro, mas muita prosápia de carreirista político.
Claro que esta explicação, apesar de concreta, é complexa e não é qualquer pedrosa em televisão pública que a compreenderá ou interessará a um carvalho impresso. Falarão que todos perdemos expectativas, que todos sofremos na pele isto e aquilo. Não duvido. Só que há quem tenha recuperado todo o tempo de serviço, sendo mentira que a recuperação pelos professores, faria “todas as outras carreiras” pedir o mesmo. Não é verdade. Porque a maior parte já recuperou os 7 anos do congelamento. Acho que isso até um carvalho ou um baldaia poderão compreender, se se esforçarem um poucochinho. Só um poucochinho.
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