A União Impossível

Reconheço a diversidade no interior da condição docente, bem como a dificuldade em articular todos os interesses e prioridades em presença. Mas a “união” não acontece não apenas por isso, mas talvez até mais por outras razões. Porque a essa “união” é má para quem se alimenta dessa desunião. Claro que a tutela, que consegue fragmentar algumas “frentes”, lançando umas migalhas, uns lugares, umas formações, uns convites, tem interesse nisso. Mas também há quem faça do discurso da 2ncesessidade de união” a camuflagem para a promoção da desunião, bastando ver o azedume e acrimónia a céu aberto em grupo de professores. Não é a discordância de posições, a divergência de opiniões que leva à desunião, muito pelo contrário. A união nasce da consciência de uma diversidade que enriquece. Já a desunião alimenta quem necessita do papel de “salvador@”, de representante mais legítimo, em quantidade ou qualidade, da “verdadeira” (e “única”), da voz do pessoal docente. Não me refiro apenas a sindicatos.

A união absoluta – uma nova unicidade mais do que sindical – é uma construção mitológica, uma utopia útil para quem faz da desunião a sua razão de existir e a quem desagrada profundamente qualquer competição nessa função salvífica e regeneradora.

Por isso é que – e pode ser confirmado por mais de um@ interçocutor@ nos últimos dias – não acredito no estabelecimento de “pontes” duráveis, porque isso tiraria o ganha-pão, nem que seja simbólico de quem está sempre pronto a acrescentar mais uma parcela à desunidade. Quanto a grupos e facções, há passagens notáveis da História de Mayta do Vargas Llosa e da A Vida de Brian dos Monty explicam o essencial sobre a sua lógica, não sendo necessário qualquer manual de filosofia política.

Incómodos Peculiares

Andando por essas redes e grupos, percebe-se que existe um novo acesso de “pureza de luta” em alguns sectores, que não admitem nada sem ser a sua própria posição/opinião. Gente que se amofina com quem desalinha da sua Nova Verdade Absoluta. Malta com mentalidade totalitária que recusa com toda a sua distorcida energia quem ousa pensar fora do quadradinho esquemático da sua tacanhez formatada.

Gente que faz o que criticava ainda há pouco tempo.

A quem servem estas tácticas de exclusão, não sei. Mas certamente não servem para um sentimento de comunhão ou inclusão, muito menos de colaboração com quem acha que o seu sangue é o mais legítimo desde a concepção do profeta mais profeta de todos.

Por vezes, pior do que ser cego é não conseguir ver. Ou não querer que foram essas formas de estar que levaram a clivagens no passado e, de forma mais ou menos directa, a importantes fracassos.

Nas vésperas de uma reunião negocial, onde nada está em negociação, mas em formato de imposição, estes ataques para dentro das próprias fileiras, não passam de idiotice, mais ou menos mascarada de “reflexão crítica”.

Porque há vanguardas que, de tão iluminadas, até se encandeiam a si mesmas e, à primeira curva, estampam-se. O problema é quando levam outros a estampar-se ou, ainda pior, quando atropelam quem dizem querer ajudar. Há quem prometa tudo, mas nada tenha para dar. Há quem critique tudo o que seja feito de diferente, limitando-se a replicar chavões. Há quem confunda o que vê no espelho com uma janela.

3ª Feira

Foi publicado o Despacho Normativo n.º 4-B/2023 que “Altera o Regulamento do Júri Nacional de Exames e aprova o Regulamento das Provas de Avaliação Externa e das Provas de Equivalência à Frequência dos Ensinos Básico e Secundário para o ano letivo de 2022-2023”.

Chamou-me a atenção o nº 3 do artigo 11º, que não é propriamente uma novidade, mas…

A decisão de não realização das provas de aferição compete ao diretor, ponderadas as características que distinguem estas provas, as suas valências diagnósticas e de regulação do ensino e da aprendizagem, e mediante parecer do Conselho Pedagógico fundamentado em razões de caráter relevante, nomeadamente:

a) Organização curricular específica, no caso dos alunos inseridos em outros percursos e ofertas que não o ensino básico geral, o ensino a distância e o curso artístico especializado, bem como dos alunos abrangidos por medidas adicionais com adaptações curriculares significativas aplicadas no âmbito do Decreto -Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, na sua redação atual;

b) Proficiência linguística, no caso dos alunos que frequentem a disciplina de PLNM.

O “nomeadamente” não é “exclusivamente”.

I’m just saying…

6ª Feira

O ministro Costa descobriu – ou descobriram para ele – uma nova expressão que atirou cá para fora com aquele ar ufano de quem descobriu palavras novas como, só para efeitos de exemplo, “tartufo”. A expressão é “efeitos assimétricos” e, na sua bobilíngua, aplica-se ao que ele considera efeitos diferenciados do congelamento da progressão na carreira para quem estava em diferentes escalões. Numa quantidade muito residual de casos, isso até poderia fazer sentido, se a dita “carreira” não tivesse sido atropelada em diversos momentos, subdividida em novos patamares e acrescentada de um novo “topo” em que se ganha o mesmo do que no antigo.

Eu exemplifico, no concreto, aqui com um caso do meu “quintal” porque, apesar de dizerem que nos devemos elevar acima das nossas circunstâncias, depois é preciso explicar as coisas com muito detalhe para que percebam (quem assim o quer, que há tartufos que nem querem saber disso) do que se está a falar.

Imaginemos que alguém tem a desdita de passar a quadro de agrupamento no dia 1 de Setembro de 2005, exactamente dois dias depois do início do primeiro congelamento da carreira. Carreira que tinha 10 escalões e a criatura estava no 7º, aos 40 anos, no índice salarial 218. Para efeitos de “suponhamos” concretamente, digamos que estava no primeiro ano desse escalão.

No dia 28 de Agosto de 2005, quando ainda era quadro de zona pedagógica, o seu horizonte de progressão era o seguinte de acordo com o Decreto-Lei n.º312/99, de 10 de agosto (aprovado por um governo de que partido? já adivinharam?) em 2007 passaria ao 8º escalão (índice 245), em 2011 ao 9º (índice 299) e em 2015 ao 10º (índice 340). Uma década, portanto.

Com esse congelamento que durou até ao fim de 2007 e com a aprovação do novo ECD (Decreto-Lei n.º15/2007, de 19 de janeiro) que criou os professores titulares passou a estar no 4º escalão (mesmo mantendo o índice 218), ficando o seu horizonte de progressão bloqueado pela existência de uma categoria (“professores titulares”) a que só poderia aceder um terço dos docentes. E o escalão em que estava, bem como o seguinte, criado de novo (o 5º, correspondente ao índice salariam 235, antes inexistente, portanto) passaram de 3 para 4 anos e o 6º passou a ter duração indefinida, por causa do tal bloqueio para o acesso aos 3 escalões de professor titular.

No descongelamento de 2008-10, este “suponhamos” conseguiu chegar mesmo no limite a esse 5º escalão (índice 235), que no Decreto-Lei n.º270/2009, de 30 de setembro passou a ter só 2 anos, em troca do aumento para 6 anos do 6º escalão (índice 245) e da criação de mais um escalão novo (7º, índice 272, inexistente antes). E de 9 passou-se para 10 escalões.

Mas em 2010 veio mais uma revisão da carreira (Decreto-Lei n.º75/2010, de 23 de junho, que criou um 10º escalão, índice 370, para compensar o aumento brutal das taxas, sobretaxas e outras fiscalidades) e em 2011 um novo congelamento que durou até 2017. E em 2017, o “suponhamos” continuava estacionado no índice 235 quando, ao entrar para quadro de agrupamento, por essa altura já deveria estar no 340.

E aqui começa, realmente a notar-se uma grande assimetria que, se fosse em outras instâncias, daria razão para processo contra o Estado por quebra de contrato e de qualquer confiança. No início de 2018, o horizonte de progressão passou a ser o de chegar ao índice 245 em 2019, ao 272 em 2023, ao 299 em 2027 e ao 340 em 2031 (aos 66 anos de idade, à beira da reforma), 26 anos depois da sua entrada em quadro de agrupamento. Isto superando o garrote da passagem no 6º escalão. Uma assimetria do caraças que aumentou em, no mínimo, 16 anos o acesso ao antigo “topo”. Nem falemos no 370, inatingível.

A recuperação dos 2 anos, 9 meses e 18 dias do tempo de serviço prestado, nem deu para recuperar um escalão. O “suponhamos”, beneficiando de menção de mérito para transitar do 6º ao 7º escalão, chegou em 2021 ao índice a que deveria ter acedido em 2011. Uma década depois, mais ou menos detalhe, mais ou menos reclamação irada em relação a uma avaliação do desempenho determinada na base do critério “simpatia pessoal”, do que estava determinado no início do seu “contrato” de professor do quadro de agrupamento. Mesmo que recupere os 6 anos e meio em dívida, ficará sempre com uma perda efectiva de vários anos na sua progressão (não falando em tudo o que deixou de receber no entretanto e que nunca alguém pretendeu pedir, ao contrário de uma vergonhosa conversa sobre “retroactivos” há uns anos atrás). E esta história nem sequer é das piores ou mais dramáticas.

Penso que esta “assimetria” – de pelo menos uma década entre serviço prestado e progressão real na carreira – poderia ser aquela a que se refere o ministro Costa se a sua conversa não fosse a de um tartufo com muito pouco decoro, mas muita prosápia de carreirista político.

Claro que esta explicação, apesar de concreta, é complexa e não é qualquer pedrosa em televisão pública que a compreenderá ou interessará a um carvalho impresso. Falarão que todos perdemos expectativas, que todos sofremos na pele isto e aquilo. Não duvido. Só que há quem tenha recuperado todo o tempo de serviço, sendo mentira que a recuperação pelos professores, faria “todas as outras carreiras” pedir o mesmo. Não é verdade. Porque a maior parte já recuperou os 7 anos do congelamento. Acho que isso até um carvalho ou um baldaia poderão compreender, se se esforçarem um poucochinho. Só um poucochinho.

Coisas Boas Que Me Acontecem (Voluntariamente)

Não ocupo, nem pretendo ocupar, qualquer cargo de dirigente sindical.

Não ocupo, nem pretendo ocupar, qualquer cargo de dirigente escolar.

Ergo…

… não preciso de abdicar de um para manter outro, por questões de conveniência, que há convicções que são apenas para consumo público.

A Piada Faz-se Sozinha Em Certos Regaços

A deputada socialista Alexandra Leitão, antiga ministra da Modernização e Administração Pública, referiu que o ministro da Educação, João Costa, não devia estar sozinho nas conversas com os professores e outros professsionais do setor, visto que a negociação é multidisciplinar.

Para além disso, que ficou sozinho foi o secretário Leite, que o ministro Costa deu de frosques e fugiu ao confronto, que é político de ocasião, próprio para dias de sol e eventos controlados.

Pistas

Do pouco que ontem saiu da reunião negocial, uma coisa ficou clara: o ME não abdica do seu Conselho Local de Directores, com poderes de alocação dos professores de todas as condições e vínculos, de contratado em substituição a jurássico professor de carreira, mais ou menos perto do mítico “topo”. Esta insistência, mais do que descentralização, autonomia ou seja o que for, significa um acréscimo de funções para @s senhor@s director@s que já há algum tempo – em muitos caso de forma justa, em outros, nem tanto assim, bastando optarem por equipas com delegação de funções bem repartidas -,se queixam de muito trabalho para escassa remuneração. Até dada altura, há uns bons meses quando as informações começaram a rarear e algumas fontes ficaram subitamente secas ou com muitos problemas em abrir a torneira, o que eu ouvia era “pensas que vou aceitar mais trabalho, sem nada em troca?” Mas depois, quase todas se calaram, apenas ficando o rasto do que seria o quid pro quo. Três possibilidades, não estando fora de cogitação e desejo que fossem algumas em acumulação: uma carreira própria para “dirigentes escolares”; uma revisão do sistema de avaliação de desempenho desses mesmos dirigentes, para que não fiquem encravados como qualquer professorzeco em listas ou que os subs não tenham de vir sacar vagas de “mérito” ao regime geral; um aumento dos suplementos remuneratórios.

Medidas dirigidas, muito em especial, para a “nova vaga” de lideranças, agora que muitas das antigas foram embora ou estão quase, por limite de idade. Para o pessoal que fez cursos online à pressa ou outros mais presenciais, mas que andam nos quarentas, cinquentas, e querem outra coisa que não a carreira normal de professor e aulas de hora em hora, que o amor pela petizada tem limites e há quem ache que presta melhor “serviço público” a “gerir” a coisa, fruto de competências, quantas vezes, só do conhecimento d@s própri@s. E eu acredito que nada disto tenha sido vagamente formalizado, porque não desconheço como isto se faz com maior eficácia, porque não melhor sedução do que aquela que apresenta a tentação como algo exclusivo, fora dos olhares públicos, antes de ser possível apresentar a consumação, de acto consumado.

Sim, podem dizer-me que de nada sabem. Podem garantir que a si, gente mais pura que a pureza, tal proposta nunca chegou. E eu acredito. Como acredito tanto na ingenuidade, como na hipocrisia, para além da sincera ignorância.