5ª Feira

Hoje vou ter mais aulas com os kits tecnológicos do ME que, como sabemos, são o nec plus ultra da transição digital em regime de ultra low cost. Quase toda a semana tem sido um mergulho extraordinário no material fornecido pelo ME e que, em nome da diversidade dos negócios, faz com que cada aluno tenha o seu tipo de acesso à net, seja router, seja cartão SIM. No caso dos routers temo o pormenor delicioso de a chave de acesso ao wi-fi, conforme o modelo, estar inscrita na parte de baixo, de lado ou dentro do equipamento, por vezes debaixo da própria bateria, em letrinhas minúsculas. Quanto aos cartões SIM é também divertido ver como os vejo inseridos, das mais variadas formas e com os mais inúteis resultados. Para solucionar os que ficam encravados arranjei um moderno equipamento de desempanagem digital conhecido por alfinete de dama, que consegue inesperados milagres e salvamentos. Ontem foi assim e antes de ontem um pouco melhor, mas não muito.

E depois não me venham dizer que as aferições vão decorrer maravilhosamente como nas escolas dos pilotos amigos do shôr ministro, com os alunos em salas do futuro do dia antes.

Prioridades

O ME quer provas de aferição online para todos os alunos do 5º ano.

Uma editora envia-me propostas de testes por “domínios”, com critérios e grelhas de correcção e tudo.

O que me faz falta?

Alunos que consigam escrever com um lápis ou caneta algumas frases de forma perceptível (já quase só falo da grafia e não do significado) e que reconheçam as palavras e letras num texto manuscrito quando os zingarelhos tecnológicos e digitais desfuncionam e é preciso voltar ao giz e ao quadro, por uma série de razões que a generalidade das lideranças sindicais desconhecem.

6ª Feira

Ao fim de umas dez semanas de aulas, já é possível um “balanço “intercalar” das hostilidades passadas e das que se adivinham futuras. Muito é o material que se poderia usar, mas há que ser selectivo e escolher as embirrações preferenciais numa manhã de sol de outono.

Ora bem… a transição digital, os padde e essas coisas assim que se querem fazer com ovos estragados ou com a casaca partida. Em primeiro lugar, os computadores que chegaram às escolas na sequência da pandemia, serviam para desenrascar, como na altura disse, mas o prazo de validade está longe de ser “indeterminado”. Seja no caso dos professores, seja no dos alunos, as avarias ou falhas de funcionamento começam a notar-se e não adianta dizer que se quer fazer imensa coisa, se o material não corresponde ou se levar os computadores para a escola se torna um risco financeiro. Em especial, quando os heroicos hp de 2008 resistem com muito esforço perante as exigências, nas escolas que ficaram dependentes dos fornecimento da tutela.

Eu sei que existem oásis de excelência, com material no ponto certo, seja na Madeira, seja aqui pelo continente, em unidades orgânicas seleccionadas ou mesmo salas específicas. E estou farto de ouvir e ler que não posso generalizar a partir da minha experiências, mas nesse caso os que defendem que está tudo normal também não podem generalizar a partir da sua. Os quintais são o que são. Se o que tem batatas podres não pode generalizar, o que tem mirtilos escolhidos a dedo por migrantes também não pode.

Querem manuais digitais e isso já funciona muito bem em alguns casos-piloto? Que bom para quem os pilota e se acha @ maior. Quem não gosta de usar o manual como único recurso nas suas aulas é que se lixa, seja ele físico ou virtual, porque nada como diferenciar através da uniformização de ferramentas. Que já sei que funcionam muito bem em outros quintais, rai’s parte o meu ter ficado em terreno rochoso que até às cabras custa a aguentar.

Mas tudo estará bem e as provas de aferição digitais serão um sucesso, excepto na parte em que não forem, mas nesse caso a culpa será das “escolas”, leia-se d@s professor@s do século XX, inadaptad@s à mudança e inovação e que não conseguem ver a poesia de um chip ou fazer um haiku inclusivo.

Outra coisa… quiçá também própria de alguns quintais e não de outros: começa a ficar farto da figura da “explicadora” (eu sei que há muito boa gente que não faz aquilo que vou descrever) que substitui @ encarregado de educação nas exigências, pedidos e mesmo bitaites sobre a forma como são dadas as aulas, tudo ampliado em grupos de whatsapp de gente que é triste saber que têm crianças a cargo. Com toda a carga do preconceito que assumo digo que se sabem tanto, sobre tanta disciplina, algumas poderiam vir ajudar e substituir docentes em falta. A menos que, afinal, não tenham a qualificação que tanto saber sobre Matemática, História ou Ciências despejam sem noção do lugar de cada um@ nesta desordem instalada. Uma coisa irritante era ter de ler pedidos (exigências?) assinados por quem não tem o direito sobre o plano de trabalho das turmas para poderem “preparar” as fichas de avaliação, logo ali nos primeiros ciclos do Básico. Outra, deitar palpites, alinhavar considerandos e produzir considerações de ordem ética sobre o trabalho alheio em sala de aula e sobre a relação de professores e alunos.

Porque agora toda a gente ouviu o senhor ministro, leu umas coisas no jornal (o mais certo é ter visto na televisão) e se calhar até fez umas “formações” que deram especialização instantânea em pedagogias avançadas, inclusões multiculturais e saberes gerais e específicos em currículo, avaliação e etc e tal. E um tipo que grame com a prosápia.

Como dt é coisa que corto logo pela raíz, que é para não existirem confusões. E quem aqui me pode ler (sejam antigos alunos ou encarregados de educação) pode confirmar que a minha “disponibilidade” tem limites claros. Mas cada vez andamos mais vulneráveis a bocas da treta de gente de muita escassa qualificação, desde logo em matéria de carácter, ampliadas por “partilhas” que só servem para demonstrar que a petizada ainda é quem se porta melhor ou se o não faz é porque tem modelos de comportamento muito fraquinhos fora da porta da sala ou do portão da escola. As ofensas passaram das conversas de café para os chats e a chamada “cagança de postas de pescada” começa a ser uma forma de bullying que atinge em particular @s colegas do 1º ciclo. ;as começa a chegar em cascata a outros ciclos, nem sempre existindo a energia para lhes colocar travão, por muito que isso leve ao desagrado de explicadoras tecladoras, mas pouco sabedoras do que seria o seu dever.

E mais haveria a dizer, mas agora tenho de ir ali demonstrar que não recebi os mails que alguém diz que me mandou (não é assunto da minha escola, ok? não comecem já os mirones a excitar.se sem razão), provavelmente porque o meu apelido é demasiado exótico, quiçá mesmo exclusivo.

Quanto Mais “Flexibilizamos” E Nos “Disponibilizamos”…

… menor é, em muitos casos, a qualidade do retorno.

Do que adianta estar a fornecer “matrizes” (está na moda serem pedidas pel@s ee) com temas e tipologias de questões, materiais de estudo adicionais em suporte digital, via sala virtual, fazer fichas de trabalho formativas, sem classificação formal, tudo de acordo com o livrinho das alegadas boas práticas (acreditem… fui mesmo eu a fazer tudo isso, sem ser obrigado… o que de qualquer modo não funcionaria), para depois dar de caras com o total desinteresse, falta de estudo, de empenho, de qualquer réstia de preocupação com seja o que for. Quanto maior a “oferta”, menor o respeito pelo esforço alheio e menor o esforço próprio para atingir um desempenho vagamente sofrível. Agora imaginem que nem gostavam das aulas, das quais garantem gostar.

O repetido discurso que inverteu o ónus da prova em relação ao sucesso escolar desaguou nisto e numa cultura de “eu tenho todos os direitos” (ou o talvez mais comum “@ minha/meu filh@ tem todos os direitos”) que quase se transforma em bullying sobre @s professor@s. E só coloco o “quase”, porque eu até me faço entender com alguma clareza pel@s alun@s e isso ainda serve de travão a muito disparate dos adultos, não apenas de fora para dentro da escola.

Aprendizagens perdidas? Não… o que se anda a perder é bem mais grave do que os conteúdos académicos.

Pelo JL/Educação

Uma conversa matinal com uma colega professora, em hora formalmente dedicada a apoiar alunos que acham, ou melhor, têm a certeza de não precisar desse apoio. Colega mais avançada na idade, ali perto das margens da reforma, mas que insiste em levar o seu trajecto até ao fim, apesar do desânimo que se foi entranhando ao longo dos últimos quinze anos, período em que tantos ideais que ainda sobreviviam foram completamente arrasados pela “boa governança” dos recursos humanos em Educação. Colega que não se inclui no lote de quem é suspeito de “padrões irregulares” em baixas médicas que não pratica. Que ainda se esforça por tentar ensinar o que muitos não querem aprender (Matemática), com a legitimação dos teóricos de que as aprendizagens só são significativas ou têm sentido se forem do “interesse dos alunos”, como se ao fim de uma década de vida, já se soubesse o que futuro pode exigir.

Conversa em modo de comparação de estados de espírito. E a admissão de, ao terminar a semana, essa colega se questionar sobre o sentido de voltar na semana seguinte, perante uma realidade que se avoluma na aspereza. Quando o discurso do “envelhecimento”, a par da evidência cronológica indesejada, agravou atitudes de desrespeito quase constante a partir de fora. Quando qualquer “explicadora” ou ocupadora de tempos livres se sente legitimada para dizer aos alunos que “a professora está errada”, mesmo se fez um 12º ano oferecido na base do “sucesso para todos”, nem que seja com 10 valores para despachar as estatísticas.

Respondo que a mim, essa sensação de inutilidade do esforço surge, não sei se pelo contrário, logo a abrir a semana quando, aberta a porta do carro, olho para o declive de acesso ao portão e observo como se evidencia a generalizada falta de civismo no espaço envolvente, por parte daqueles que deveriam a partir de casa dar o exemplo mas preferem exibir a truculência como se fosse um valor e uma injustificada arrogância como se isso compensasse as frustrações de um quotidiano precário e frágil. Do qual se pensa tirar desforço no pequeno mundo da escola, onde a quase todos é permitido descarregar tudo aquilo que, algures, fora dali, são obrigados a calar. Como se a Escola e os professores fossem alvos a abater para equilibrar todas as esperanças que lhes foram tolhidas. Mas, lá saio e faço o meu caminho, a cada 2ª feira, na certeza de dificilmente as coisas ganharem mais sentido do que no final da semana anterior.

A busca de sentido para o quotidiano escolar não é um exclusivo dos alunos, apesar do que algumas auto-nomeadas autoridades na matéria reclamam. Por vezes, com recurso a testemunho seleccionados a dedo à porta das escolas com inquéritos teleguiados. Muito pelo contrário, afirmo eu, que tenho escassa vergonha em admitir que busco um sentido para a vida escolar há mais tempo do que têm de vida quase todos os meus alunos, porventura todos, porque há uns que apenas se inscreveram para cumprir a formalidade de estarem doze anos na escola, mesmo que só lá tenham passado menos de metade, com muito boa vontade contabilística e ainda maior das autoridades que mandam arquivar as sucessivas “sinalizações”.

A perda de sentido da vida escolar tem, para os adultos que por lá andam, o peso acrescido do tempo passado e da consciência da escassez do tempo que resta para ver alguma mudança significativa, na direcção certa. Para os mais novos, essa carga é bem menor, e o horizonte de esperança bem mais alargado, mesmo se ilusório.

Ouvimos e lemos tanta coisa sobre a nossa profissão, sobre o nosso desempenho, sobre a nossa falta de adequação aos novos tempos, sobre tanta necessidade de formação, que a dado momento quase se interiorizam as acusações e se desiste de tentar compreender a incompreensão ou de tentar contrariar, esclarecendo, a ignorância. Aquela mais bruta que desagua na violência das agressões físicas, mas de igual modo a mais insidiosa violência psicológica e até moral de quem exibe pergaminhos académicos de “investigação” e “reflexão”. Não vale a pena, porque do outro lado se ergue um muro imenso de certezas inabaláveis.

Ao nível de alguma parentalidade, já se anda a lidar com uma geração que, em vários contextos sociais, cresceu sem saber lidar com o fracasso das esperanças e, na falta de coragem ou capacidade para contestar os verdadeiros responsáveis pela sua situação, descarrega nos professores as suas incapacidades de “sucesso”, aquele que lhes disseram, anos a fio, que era direito seu. Tudo isto a par de uma elite político-mediática que parece achar que o seu saber, o seu “olhar” externo sobre a Educação e a organização das escolas é mais objectivo e rigoroso, do que o daqueles que lá passam o seu tempo, hora após hora, turma após turma. Uma elite que, lá por ter passado pelas salas de aula como alunos e até eventualmente como docente ocasional, em biscate passageiro, considera que sabe tudo o que há a saber sobre o currículo, o trabalho em sala de aula, a gestão da indisciplina, os valores e atitudes a transmitir no contexto escolar.

Choca-me a forma ligeira, superficial, epidérmica, como há quem consiga ter tantas certezas quando passa o tempo a lançar dúvidas sobre o trabalho alheio. Pior ainda quando isso se passa com um manancial de “especialistas”, que gostam de se apresentar como “cientistas da Educação” de variada especialidade, da economia e gestão dos recursos humanos à organização curricular, em defesa de nichos de mercado que lhes garantam a sobrevivência e relevância junto dos decisores políticos. Gente que repete os mesmos chavões ao longo das décadas, colhidos em leituras dos seus tempos de formação, projectando no presente de agora, presentes de outros tempos, de que ainda não conseguiram curar as cicatrizes. Em alternativa, temos as novas gerações dos seus discípulos que, mal acabaram de sair do aviário académico, já prontamente se apresentam disponíveis para replicar, como “formadores” dos envelhecidos docentes, as sebentas que lhes foram servidas como o pensamento único e belo.

Sim, os tempos mudaram e os professores e o trabalho docente devem acompanhar as mudanças, mas seria interessante que fosse feita uma triagem com algum critério das mudanças a adoptar. Não me parece que o “professor do século XXI” deva ser uma espécie híbrida, combinando o burocrata cumpridor de todas as directrizes superiores com o funcionário do economato escolar.

Tanto discurso sobre a necessidade de formação dos professores para quê, exactamente? Para distribuir e receber manuais escolares, seguindo-se a exigente tarefa de apagar os rabiscos neles feitos para que posam ser reutilizados? Será para isso que se fez uma profissionalização ou mesmo um mestrado bolonhês em ensino? Para registar em tabelas de excel todo e qualquer registo, em forma de descritor, sub-descritor, indicador ou sub-indicador, numa demanda de pretensa objectividade, enquanto se defende uma avaliação “humanista”, “integral”, numa “perspectiva holística” do indivíduo enquanto um todo?

Há sentido no trabalho docente quando a maior parte do tempo é gasta, em actividades de tipo administrativo, sem qualquer vantagem para as aprendizagens dos alunos? Quando isso resultou da transferência para os docentes de tarefas que de modo algum estão no “conteúdo funcional” do seu estatuto profissional, apenas para poupar em pessoal não docente, na sequência da centralização dos serviços administrativos nas escolas-sede dos mega-agrupamentos e da “racionalização” (no sentido literal de aplicação de “rácios”) do pessoal não docente?

Viktor Frankl termina o seu posfácio de 1984, com o título aproximado de “Em defesa de um Optimismo Trágico”, do seu clássico Um Homem em Busca de Sentido, com a afirmação de que “o mundo está em mau estado, mas tudo ficará ainda pior se cada um de nós não fizer o seu melhor”. O problema é que cada vez há mais gente a fazer o seu pior e a obrigar os outros a nivelarem-se por essa sua mediocridade. O que só reforça o trágico em quem busca desesperadamente um sentido para docência reduzida a uma sua triste caricatura, que o pulular de “projectos” e pretensas “inovações” requentadas só acentua.

Um dos maiores disparates que por aí circulam, com origem conhecida, é o de termos “alunos do século XXI” em escolas organizadas como no século XIX, ensinados por professores do século XX. Tomara que assim fosse, pois, que me lembre, no analógico século XX não tinha de fazer nada destas tarefas que só servem para desqualificar a docência como actividade destinada a transmitir pelo menos o essencial do conhecimento humano.

Abraços

É verdade que os petizes do 5º ano sempre demonstraram essa necessidade, herdada dos tempos da “primária” e d@ professor@ “única” e próximo que agora tanto parece desgostar tanta gente, a começar pel@s própri@s.Mas voltando à necessidade do conforto do abraço da petizada, em especial ao meio e final do dia de aulas … posso estar a ver algo além do que está à frente dos olhos, mas há algo diferente que acrescenta mais uma camada à sensação de evidente desorientação geral. Porque demonstra a necessidade de encontrar pontos de apoio e segurança e os pequenos ainda não têm o adulto orgulho estúpido de o ocultar. Até porque este ano são poucas horas com eles e o feitio não vai melhorando com o deslizar rápido do tempo.

5ª Feira

Plano C é quando o século XXI falha e temos de dar aulas à século XX (ou mesmo XIX), porque o cabo da net se finou ou a lâmpada do projector implodiu ou apenas porque material degeneresceu, o que dá jeito se for um professor dos velhos tempos (com mentalidade oitocentista) que ainda consegue manter uma conversa com uma turma de 26 sobre um qualquer tema de Cidadania que se esteja a dar, sem depender de zingarelhos ou suportes digitais. E corre bem, benzam-me as santinhas da auto-complacência.

Dúvida Sobre Aprendizagens Claramente Não Consolidadas

Estando nós no imparável caminho da digitalização e desmaterialização dos materiais escolares, devo insistir com tod@s @s alun@s que ainda não sabem como usar um caderno diário, para que aprendam as regras d’antanho sobre a melhor forma de o usar, tipo, da primeira página para a última, da primeira linha para baixo, sem deixar muitas de permeio (ou paginas/folhas inteiras), escrever do lado esquerdo, perto da margem, para a direita, não rasgar folhas a cada vez que há um engano, etc, etc. Eu sei que são regras anacrónicas, que eu sou claramente um neandertal das pedagogias e metodologias avançadas, mas estou mesmo com essa dúvida: entrámos já mesmo no século XXI e deixamos isto para trás ou ainda recorremos aos suspensórios?