Dava jeito.
A regressão nos direitos sociais é inversamente proporcional ao crescimento das negociatas com lucros garantidos. Esses são adquiridos, aqueles são meramente transitórios.
Negociar )e lucrar) com ditaduras é uma especialidade das democracias ocidentais e não vale a pena fingir o contrário. Por cá, relembremos – para não ir mais longe – os negócios de Sócrates com a Líbia e a Venezuela. Para ir mais longe, todo o historial com Angola, com a desculpa da “História comum”. O episódio ridículo da Guiné Equatorial na CPLP. A venda de empresas estratégicas a capital chinês. Ali pelas Arábias há muitos portugueses a fazer belos contratos, incluindo “liberais” que criticam o Estado, a menos que que ganhem negócios chorudos (sim, recordo velhas disputas com o muito liberal fundador da IL, assalariado leal de empresas internacionais com ligações a ditaduras do Médio Oriente). Há poucos inocentes em tudo isto e algumas das pessoas que mais gritam pelos direitos humanos, em tempos desprezavam-nos em nome de outros valores e não me digam que foram desvios “naturais na juventude”.
Isto não tem salvação e a real politik impera? Sim e a Ucrânia não é excepção. Há ditaduras piores do que outras? Sim, mas a métrica é complicada. Os Jogos Olímpicos em Sochi foram limpinhos, limpinhos? Duvido. Os de Pequim foram numa democracia exemplar, com as suas obras a decorrer com as melhores regras de segurança laboral? Pois…
O problema é que, como cá, a outra escala, já praticamente toda a gente deixou que as mãos se sujassem, acreditando que tudo passaria despercebido e fosse esquecido. Como na maior parte dos casos acaba por ser.
Isso torna as coisas mais desculpáveis? Não.
Isto não é comparável ao ir além da troika do Passos, porque nem há troika. E ainda há aquela da “obsessão do défice” que tanto usaram como arma retórica, mas agora se vê que era só conversa. E depois há aquela estratégia de mandar dizer que a acção vai ser “limitada” porque isto e aquilo. Até podem ter razão, mas então que moralidade têm para se distinguir dos “outros” e estarem sempre a justificar com os anos de chumbo do pafismo? Do género… ah, isto está mal e vai ficar pior, mas também já esteve mal há perto de uma década.
Está errado dizer que são todos iguais? Porquê, se na prática fazem praticamente o mesmo? Uns cortaram nominalmente salários, outros cortam realmente os salários, ao deixarem que quase 10% seja comido pela inflacção.
No meio disto tudo, o PCP se não se cala é como se estivesse calado, Vai, como é da praxe, ensaiar umas vigílias, umas passeatas, falar em “luta”, mas desde que lhes sobrem uns lugares para colocar os quadros desempregados das autarquias perdidas, não se incomodam se o reboliço for só para a fotografia.
Recomeçam oficialmente as aulas no Básico e Secundário com uma situação algo paradoxal. As escolas, sempre apresentadas como os lugares mais seguros à face deste Portugal em termos de pandemia – onde de afirmava existir “contágio zero” – agora são dos locais onde as regras (já de si nem sempre muito coerentes, diga-se) se mantêm mais rígidas, desde logo com a permanência da conversa idiota das “bolhas”. Já nem apetece – ou adianta – apontar tudo aquilo que continua escrito para não ser cumprido ou que faz escasso sentido. Oficialmente, tudo correu bem o ano passado, pelo que se publique a narrativa e a mesma seja afixado nos locais habituais e proclamada pelos arautos da Corte dos Costas.
Entretanto, todo contente, o ministro Tiago desdobra-se em intervenções cheias de evidências planas, enquanto o ex-Super-Mário e os sete anões dormem a sono solto.
A aparente arbitrariedade com que está a ser tratada a eventual (ou efectiva) suspensão da vacina AstraZeneca de país para país, com diferentes critérios etários, numa enorme mistura entre política e ciência demonstra com clareza que a União Europeia é uma ficção que serve para alimentar uma enorme burocracia que dá jeito às cliques políticas mas pouco mais. Quando aperta, é quase toda a gente por si ou, como no Festival da Canção, funcionando em grupos regionais ou de afinidades políticas ou económicas.
Não podemos voltar apenas à CEE?
Tem estado quase toda a gente entretida a discutir a ascensão da “extrema-direita” naqueles moldes muito provincianos que é habitual entre os politólogos (oficiais ou de redes sociais) cá do burgo. Salvo raras excepções, parecem muito preocupados com a “reconfiguração da Direita” e o que poderá fazer o PSD, se der a mão ao Chega para chegar ao poder. A esse respeito, apenas duas notas, que não me apetece entrar muito neste tipo de debate de faróis nos mínimos. Em primeiro lugar, um raro elogio a Rui Rio que ontem foi quase o único a apontar para a geografia do voto em André Ventura e a sua implantação nos bastiões que em tempos foram do PCP e que tradicionalmente votam mais à esquerda; ele tem razão, o voto em Ventura é mais um voto de protesto do que um voto ideológico. E isto conduz-nos à segunda nota que é o de o Bloco e o PCP se terem deixado “normalizar” tanto na geringonça que correm o risco de canalizar o tradicional voto de protesto “contra o sistema”, pois eles próprios aceitaram participar nesse sistema que tanto criticavam, não lhe trazendo especiais modificações; daqui decorre que uma das possibilidades de combater o Chega é exactamente “normalizá-lo”, porque a atracção pelo poder é imensa em Ventura e, chegando à mesa dos “grandes”, deixará cair muito do que agora ergue como bandeiras, para ter uma parcela das benesses e honrarias. E depois de se ver de que massa é mesmo feito (de um oportunismo sem verdadeira substância), o eleitorado de protesto irá abandoná-lo, em busca de outro partido anti-sistema. Desde o PRD que as coisas são assim, mais ao centro, à esquerda ou à direita.
Tenho uma clara divergência em relação aos que pensam que a acção do governo (merece só minúsculas) em relação à pandemia procurou incutir o medo para exacerbar os seus poderes e criar uma espécie de estado de excepção permanente. Sou um céptico em relação à política, mas selectivo nas teorias da conspiração. Porque acho que, pelo contrário, para aí desde Maio, o discurso político (de Belém a São Bento, passando por vários ambientes mediáticos) foi “positivo”, de “esperança”, de “vitória”, até porque pelos números da 1ª vaga a situação portuguesa parecia excepcional, graças ao baixo número de contágios e mortes. O Verão foi de cigarras à desfilada, de selfies na praia, de auto-congratulações e de anúncios propagandísticos do que se preparava aos milhões, mas de uma prática nulidade em áreas decisivas como a fiscalização do funcionamento dos lares de idosos (é incrível como se anunciou que iriam vacinar os utentes de lares “ilegais”, sem que ninguém se interrogasse como sabiam onde estavam e, se o sabiam, porque os deixavam continuar ilegais) e o equipamento das escolas, para não falar do problema mais óbvio do SNS.
Tapetes do ikea à porta e arco-íris nas janelas e parecíamos que estávamos numa variante do Euro 2004. Só que Costa não é Scolari (é teimoso mas, em muita coisa, o burro é mesmo ele) e, se nos lembrarmos, perdemos a final com a Grécia. Não foi mau, claro, mas não ganhámos tudo. Agora, infelizmente, depois de termos “ganho” uma primeira eliminatória, entrámos de peito feito na segunda e estamos a levar uma tareia. Ao menos, depois da primeira derrota com a Grécia, o Scolari mudou a equipa e a táctica. Teimoso, mas não burro. Não se pode dizer o mesmo do nosso PM, que em vez de usar o que funcionou em Março-Abril, decidiu manter esta espécie de coisa que é e não é, para não desagradar a quem grita muito nos jornais e em algumas televisões, preferindo ignorar os avisos dos médicos que há meses vinham a avisar para o que se podia passar, se fosse mantida a atitude de relaxamento e descontracção que se tornou norma nos últimos seis meses.
Não, não me parece que o maior perigo que enfrentamos (para além da pandemia que há quem insista em dizer que não existe ou a comparar um docente com covid, doença infecto-contagiosa, com um docente que teve um avc ou partiu uma perna e não contagia ninguém com isso) esteja no “medo” que nos andarão a “incutir”, Pelo contrário, acho que somos capazes de ver muita gente morrer por causa de tanta “esperança” ou “confiança” sem fundamento. Porque, mesmo com números que em termos relativos estão ao nível do mais grave no mundo, se continua com a atitude patega e provinciana de justificar a procrastinação e complacência de ontem e as meias-medidas de hoje, preferindo o modelo “português suave”, sempre na expectativa que, no fim, nos safemos e ninguém se lembre de pedir responsabilidades a sério sobre tudo o que, sendo mais do que previsível, poderia ter sido evitado.
A começar pela Segurança Social (que pouco fez para reduzir o risco de novos surtos com consequências letais nos lares de idosos) e a Educação (que anunciou milhões no Verão, mas deu migalhas à chegada do Inverno, para prevenir uma passagem a ensino misto ou não-presencial), mas a culminar no PM, que usa a opinião dos “especialistas” conforme aquilo que já decidiu “politicamente”. Mas há quem diga, agora nada disso interessa, que é tempos de nos unirmos, contra o “inimigo comum”. O problema é que essa “união” é desequilibrada nas suas partes, porque temos quem pode mandar e pouco faz e quem deve ser “responsável”, mas tem sido bombardeado com a “esperança” que nada de verdadeiramente grave está mesmo a acontecer.
“Medo” tenho, sim, mas destas políticas de faz-de-conta, de gente de meias-tintas, de anúncios de muita parra, mas incapazes de produzir boa uva. E o medo agrava-se quando olho em redor e vejo uma completa ausência de alternativas, a menos que optemos pelos oportunistas em ascensão que surgem de forma recorrente por cá. Se até os “revolucionários” andam a apregoar o valor da estabilidade e passaram a criticar a demissão de governantes ineptos, fica-se perante um deserto de opções. E isso é que provoca “medo”. Não se não posso ir todos os dias a todas as lojas do centro comercial.
Pouco. Apenas uma leitura extremamente literal da lei, ao contrário de interpretações criativas em outras situações. Fazendo as contas, ficou na folga das cativações.
… no curto prazo, estamos um bocado lixados com F, por causa do R.
Este facto resulta de não se terem tomado medidas em devido tempo para evitar a escalada de casos, visto que os efeitos de tais medidas na redução do R só se fazem sentir entre um mês e mês e meio depois de implementadas.
Na prática, andamos atrás dos acontecimentos e, se tudo continuar assim, corremos o risco de estacionar num plano mesmo alto. Tudo porque só se colocaram trancas na porta, depois do furto estar em curso. A estratégia das “cigarras” falhou por completo,
Pelo que me parece justo concluir que o “sucesso” do combate à primeira vaga pandémica resultou de se terem tomado medidas claras e “duras” com rapidez, enquanto que em relação à segunda se andou a ver no que isto dava e a tentar apagar fogos com colheres de chá e outra fofuras, por causa do “cansaço”. E isto é mais grave porque se deu a entender que, se tinha aguentado o primeiro choque, o SNS estaria em condições de aguentar o segundo. Agora já se percebeu até que ponto a abordagem português suave de Costa e Marcelo se baseou em pensamento mágico. E nem vale a pena no completo desleixo que foi a forma como se tratou a questão dos lares de idosos em todo o Verão.
(parece que acreditaram que teriam mesmo uma vacina antes do pior… ou ali logo pelo Natal, ou ainda antes como o trump…)
O que para mim foi desde cedo uma estratégia errada, muito sensível a retóricas economicistas que me fazem pensar que as teses marxistas da Economia como a infraestrutura de que tudo depende (incluindo a vida?) estão de belíssima saúde entre o nosso mainstream político-mediático e mesmo entre alguns teóricos da conspiração covídica, está a ter consequências que podem vir a ser dramáticas.
Pelo que… agora limitamo-nos a andar a alinhar números, desenhar curvas e ainda com oscilações quanto às medidas restritivas a tomar, impondo algumas que são puramente impossíveis de cumprir de forma coerente. Como podemos limitar verdadeiramente as deslocações entre concelhos de risco se continuamos a obrigar dezenas de milhar de pessoas (nem vale a pena nomear as profissões) a deslocar-se diariamente de uns para outros? E até que ponto é honesto afirmar que não há uma relação “directa” entre reinício das aulas e aumento de contágios, mesmo quando se diz que se afala apenas no Superior, quando os maiores estudos disponíveis afirmam exactamente o contrário, mesmo que a relação seja “indirecta”?
Quer isto dizer que defendo um confinamento draconiano, em que ninguém pode meter o nariz fora de casa? Quero o fim da economia e do mundo como o conhecemos, cheio de turismo, comércio e liberdades mil? Não propriamente, pois sou tão consumista como qualquer outro tipo vulnerável às tentações do capitalismo. E por isso mesmo é que gostava de estar vivo mais uns tempos. E desejo o mesmo para a maior parte das pessoas, mesmo que alguns considerem que esta é uma oportunidade para acabar com boa parte da “peste grisalha” que acham composta de gente já doente, socialmente pouco útil e economicamente excedentária. Dispensável. Que custa muito dinheiro tratar para acabarem por morrer na mesma.
(ainda vou ler algumas luminárias a afirmar que sairá muito caro vacinar os mais velhos…)
Pessoalmente, acho que muita conversa que por aí anda acerca de tudo isto poderá ser qualificada como “abjecção”, para citar um nosso conhecido e destacado articulista, emérito discursador no 10 de Junho e hábil angariador de babysitter sempre que fica com nervoso com a petizada em casa.
O PR admite erros e atrasos para os quais já estavam todos mais do que avisados. O Governo que não quer ajuntamentos com mais de 5 pessoas, já admite feiras e mercados ao gosto local. Ao mesmo tempo, o maior partido da oposição, nos Açores alia-se informalmente ao Chega, enquanto no Continente viabiliza tudo o que o governo mandar porque “faz sempre parte da solução”. Se o ridículo matasse, a covid coraria de embaraço.