Confesso um preconceito que poderá ser disparatado, mas quando folheio pela primeira vez um livro sobre qualquer área académica, em especial sobre as que me são mais próximas como a História, a Educação ou sobre o campo mais alargado das Ciências Sociais e Humanas, gosto de ver a bibliografia em que o(s) autor(es) procuram sustentar as suas teses, na presença ou ausência de algumas notas ou referências de pé de página ou final de texto que fundamentem o que é afirmado ou infirmado, mesmo que se trate de uma prosa ensaística mais ao correr da pena. Ou em especial nestes casos. Detesto a exibição bacoca de uma erudição virtuosa (aqueles artigos com mais espaço nas páginas ocupado por notas do que propriamente pelo texto nuclear), mas há limites para a apresentação de certezas sem que elas se sustentem em algo reconhecível, para além de profissões de fé ou de estribilhos como”todos sabemos que” ou “é evidente que” ou “é óbvio que”. É essencial que, mesmo quando se repete o que acha evidente, se explique o porquê e se demonstre. Sem isso todos podemos escrever qualquer coisa e apresentá-lo como dogma, atirando para quem discorda o anátema da intolerância ou “teimosia”.
O livro de João Costa e João Couvaneiro envereda por esse caminho. O de achar que é tudo tão evidente que nem vale a pena fazer a fundamentação empírica das suas “evidências”. Que nem uma variante do método científico é necessário para que as suas verdades sejam auto-explicativas. Em 150 páginas, há 9 notas de fim de página, sendo 3 de documentos produzidos pelo actual governo/ministério. Há uma (a primeira) relativa a um texto de natureza “técnica” e é de 2010. Basta comparar com as 6 páginas de prefácio da responsabilidade de António Nóvoa que, de forma perfeitamente natural e no contexto do que é afirmado, cita João Guimarães Rosa, Michel Serres, Mikhail Epstein, George Steiner e John Dewey. Quem se sente seguro de si e do que sabe, não receia identificar as raízes do seu pensamento. Ou aqueles a que se opõe. Quem se ensimesma, talvez por insegurança ou preguiça, recusa o confronto aberto e argumenta no vácuo referencial.
Simplicidade não é simplismo. Clareza na escrita não deve ser equivalente a pobreza de substância.
Quando se pretende replicar a posições adversas, não é estratégia incomum a caricatura ou a omissão de referências exactas, para ser inverificável o que se atribui a um outrém indefinido. Essa foi a estratégia de João Costa e, lamento, de João Couvaneiro. Referem posições críticas, reduzindo-as a formulações simplistas, sem emissores reconhecíveis, para lhes ser mais fácil manipular a argumentação na resposta. Receiam nomear e citar com rigor o que foi dito ou escrito, para poderem afirmar que estão a discutir “ideias” e “conceitos” em abstracto. Mas a verdade é que na introdução até chamam a ética à pedra para legitimarem a prosa produzida que apresentam como “reacção” e “resposta”. Mas não dizem a quem estão a reagir ou responder. Preferem reduzir a expressões caricaturais o pensamento alheio. Nisso fazem muito lembrar o livro-testemunho da ministra MLR, incapaz de ir além da sua circunstância pessoal.
Pessoalmente, acho de uma imensa falta de coragem, o que se quer passar por “elevação”. Não chega a ser sobranceria, pois carece da devida sustentação. Fica-se, no fundo, pelo “achismo” quando se pretende apontar isso a quem não alinha com uma tendência específica do pensamento pedagógico da segunda metade do século XX.
Agora… pensem que escrevi isto e só li o prefácio e a introdução, passando os olhos sobre o resto. Ao contrário dos autores, tenho todo o interesse em citar com clareza tudo o que discordo, porquê e com base em que pensadores, estudos, “evidências”. É essa a longa tradição do verdadeiro “pensamento crítico”.

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