Ensino Profissional: Como (Não) Desdobrar Turmas

Transcrevo o essencial, com pequenas adaptações, de uma mensagem que recebi sobre o modo como se mudam regras a meio do jogo no Ensino Profissional, de um modo que nem sequer é claro para quem depois vai ter de aplicar concretamente directrizes que saíram claramente de quem vive bem longe deste tipo de aulas.

Boa tarde, hoje tive uma reunião para reformular os cronogramas do ensino profissional de mecatrónica e eletrónica e automação. Essa reformulação tem como base as novas orientações da ANQEP.

Até à data todas as UFCD (Unidades de Formação de Curta Duração) da área técnica tinham desdobramento para as turmas com mais de 15 alunos. Acontece que agora é conforme o documento agora aprovado.

Todavia existem UFCD que pelo seu cariz prático deveriam ter desdobramento, como por exemplo Transístores ou Eletropneumática… não têm… Mas Higiene e Segurança no Trabalho, mais teórica, tem desdobramento…

No nosso entender quem selecionou as UFCD que devem ter desdobramento não entende os conteúdos e investimento que temos em material para aplicar nas aulas práticas.

Outro absurdo: Máquinas de Corrente Alternada tem desdobramento, mas Máquinas de Corrente Contínua não tem.

Relativamente a este processo, na escola onde leciono, as salas técnicas estão preparadas para 15 alunos… Com esta alteração … Quando se lecionar Transístores… Obrigatoriamente vamos ter que lecionar numa sala comum e sem qualquer recurso aos equipamentos, como fontes de alimentação, osciloscópio, multímetros e componentes inerentes para a realização de trabalhos práticos…

Tudo uma enorme confusão, que teremos de ser nós, no terreno, a resolver.

Mas, Mas, Mas…

Como é que diz agora o que não disse antes? Isto parece uma clara inversão de sentido, mesmo que me venham dizer que esteve sempre tudo previsto… e há outras questões que ficam claramente em aberto

Estudantes do profissional vão ter exames regionais para entrar no superior

Alunos fazem teste na instituição mais próxima de casa e podem candidatar-se a todas as instituições da região. Três consórcios, no Norte, Centro e Sul, vão fazer as provas específicas da nova modalidade de acesso às licenciaturas.

UTurn

(que consórcios? como foram escolhidos? como são definidos os parâmetros para tais testes?)

Pelo Educare

Os Profissionais do Truque

Que fique claro desde já: os “profissionais” do título não são os alunos, mas sim os decisores que desenvolvem estratégias de mistificação da opinião pública, de parte dos alunos e famílias e que usam o sistema público de ensino como uma espécie de laboratório de engenharia social e de recurso para alimentar clientelas no mundo académico.

pg contradit

3ª Feira

Se os alunos do ensino profissional poderão chegar à Universidade sem exames, o que andam os outros alunos do Secundário a fazer? A mensagem é clara… no próximo mandato acabarão os exames do Secundário ou muitos alunos migrarão da via científico-humanística para a profissional para não terem grandes chatices. O problema é que as Universidades ainda com algum decoro e desejo de ter estatuto e prestígio (inter)nacional farão provas de acesso, entregues a gente que não faz qualquer ideia do que é um Ensino Secundário sem regulação externa, e veremos então que o fim de exames é uma daquelas decisões mesmo à medida dos interesses paradoxais do ensino secundário privado e de um ensino superior e politécnico em saldos, que anda cada vez às moscas, por falta de clientela sem este tipo de truques.

Querer apresentar isto como uma medida “progressista” ou em defesa da “Escola Pública” é de uma imensa hipocrisia porque será mais uma peça (não a última, há sempre mais) para a tornar em definitivo uma escola de segunda escolha. Claro que isto será feito sem que qualquer dos decisores tenha na altura descendência a sofrer as suas decisões, um porque não tem, outra porque já decidiu há muito que o privado é que é bom e outro porque já despachou os seus a tempo e o caos se pode instalar sem perigo de salpicos. E é bom que isto fique claro e não encoberto, porque os factos são o que são e são estes.

Mediocridade

(vai ser giro ver alguns daqueles colegas que se afirmam “professores do Secundário” a ter de aguentar turmas que ficarão sem qualquer tipo motivação especial para se comportarem e terem um desempenho minimamente aceitável, até porque as escolas e professores terão metas de “sucesso” a cumprir, façam os alunos o que fizerem)

“Estes Miúdos Precisavam De Outro Percurso/Currículo”

Ouço isto com frequência acerca de alunos que se arrastam pelo Ensino Básico, sem aparente destino ou orientação. Tendo a concordar. Realmente, com 16 anos no 6º ou 7º ano pede qualquer coisa diferente.

Mas…

O que significa exactamente isso?

Que deverão ir para um percurso “profissionalizante” que os habilite para um emprego de 3ª categoria, ainda antes de saberem ler devidamente um texto ou fazer as operações aritméticas mais básicas ou conhecerem os rudimentos do mundo que os rodeia, para além do lado funcional.

Porque em muitos casos estamos a falar de alun@s com problemas de desajustamento de comportamento e não com défice cognitivo ou algo similar.

“A Escola ‘tradicional’ não tem respostas para estes miúdos!”

Será mesmo assim que devemos encarar as coisas? A minha oposição aos cursos vocacionais aos 13 anos nascia da discordância da rotulagem e encaminhamento precoce de muitos alunos para percursos que são efectivamente menores e apenas preparam um lumpen com “competências” funcionais, mas um enorme défice de ferramentas para se tornarem cidadãos que consigam ir além de comentários em redes sociais que tentam reproduzir qualquer coisa que ouviram numa ortografia quase tão aterradora quanto o que revelam de desconhecimento.

Estará certo a atitude que coloca na “Escola” toda a obrigação por fingir que tudo é aceitável e que se deve “oferecer” apenas o que parece adequado a quem não se ajusta por razões que escapam a essa mesma escola?

E quando ouço dizer isso aos herdeiros directos de quem acabou com os cursos profissionais para que existisse um ensino “unificado” ainda fico mais pasmado. Porque a verdade é que são exactamente as mesmas correntes que há 40 anos anatemizaram o “secundário de 2ª” das antigas escolas comerciais e industriais que agora aparecem a apresentar uma versão pobre do que antes ainda tinha algum sentido como se fosse o caminho certo para o “sucesso” de muitos alunos, quando apenas os estamos a condenar, em muitos casos com naturais excepções, a um precariado de baixas qualificações, domesticável por não saberem como combater um modelo que lhes prometeu uma ilusão.

Sim, devem existir trajectos “alternativos” para quem se ajusta pouco ao modelo “tradicional”. Mas não quando essa é a solução equivalente a varrer as coisas incómodas para debaixo do tapete. No fundo, algo equivalente ao que se criticava a Nuno Crato, só que conversa fofinha a envolver o pacote.

Mas… até que ponto é aceitável que o “alternativo” signifique a não obtenção dos rudimentos mais básicos da comunicação e compreensão do mundo, reduzindo-os a funções sociais e profissionais meramente “funcionais”?

cabecinha_pensadora