Sábado

Afirmam-se medos quanto ao avanço da extrema-direita pela Europa, com um momento fulcral, amanhã, nas eleições em França. Independentemente dos resultados, interessa saber como aqui se chegou, para evitar que se repita, mas também as habituais desresponsabilizações, e como sair desta situação, a curto ou médio prazo, sem usar fórmulas gastas que no passado correram mal. Porque a História não explica o futuro, mas ajuda a compreender o presente. No entanto, isso só é possível se não servirmos versões truncadas do passado e se evitarmos as tais desresponabilizações.

Quer-me parece que o “como” e o “porquê” não são de complexa determinação: as políticas de terceira via, assépticas, de uma certa “esquerda”, aliadas a uma crença demasiado ingénua (?) ou dogmática nas virtudes da globalização neo-liberal, criaram um estado de marasmo na Europa “comunitária” que foi gradualmente afastando quem decide da larga maioria dos que têm de viver com essas decisões. Afastamento que conduziu a uma crescente desafeição entre quem diz governar para um “povo” que não compreende e uma larga parcela desse “povo”, que se cansou da demagogia centrista. Porque é disso que se trata… de décadas de políticas ditas “progressistas”, “inclusivas”, que nos foram conduzindo a uma situação em que o progresso desapareceu e a inclusão é uma ilusão distopica. Décadas de políticas de teórica “tolerância” que, paradoxalmente, alimentou o crescimento da intolerância.

Tudo servido à opinião pública com vernizes diversos que, agora, se transformam em formas diversas de pâncio perante a criatura que se foi alimentando. E que não se pode combater na base da mistificação e de um pretenso frentismo unitário, onde ninguém confia verdadeiramente em ninguém e apenas pretende defender as suas posições, perante a vaga adversa.

Há dias, li um reputado historiador da minha geração, ex-deputado do PCP, a dar lições sobre o que se deveria fazer e a apoiar a ideia de ressuscitar, em França, a velha política da “Frente Popular”, como oposição ao avanço do “fascismo”. Claro que Manuel Loff tem a obrigação de saber mais do que o início dessa parte da História, pelo que apenas poderá ser por oportunismo consciente que não explicou na sua prosa como tudo acabou em França: com a sua desagregação num par de anos e, a breve prazo, a divisão do país entre a parte ocupada pelos nazis e a governada exactamente pelos fascistas, se assim optarmos por designar o regime colaboracionista de Pétain.

Travar o avanço da extrema-direita, quando ele entrou em velocidade de cruzeiro exige mais do que frentismos de facção. Exige uma firmeza na acção política e governativa, a nível nacional e europeu, que não se pode confundir com acordos das “principais famílias políticas europeias” em torno da divisão dos cargos de topo da União Europeia ou pactos de regime internos que se traduzem em tratados de tordesilhas em tornos dos subsídios europeus. Porque isso apenas alimenta o que se pretende combater. assim como criticar o MP é um estratagema de quem, em primeiro ougar, não deveria contratar gajos que guardam dinheiros de origem duvidosa nas estantes.

Há, do lado das direitas, quem critique o “Não é não!” de Montenegro e queira a “flexibilização”,e nome das conveniências políticas de curto prazo. Não sendo da sua “família politica” ou seu eleitor, não posso deixar de achar que essa foi a afirmação, até agora apoiada globalmente pela prática, mais consistente contra o partido da extrema-direita nacional em quem votou “mais de um milhão de portugueses”. O que se traduziu em meia centenas de parlamentares, boa parte del@s com um comportamento para lamentar na sua boçalidade. Talvez não seja por acaso que esse número tenha descido radicalmente nas eleições europeias, ao perceber-se que de pouco adiante entrar num beco sem saída.

Abandonar o “Não é não!” seria retirar o Chega desse beco. Em termos de credibilidade, é mais importante manter essa linha vermelha do que aproveitar alianças circunstanciais no Parlamento para desgastar os que estão, na esperança de um regresso ao poder com uma versão 3.0 de uma versão nacional de Frente Popular, em que o todo é mais fraco do que a soma das partes. Como se vai percebendo em França, onde a multiplicação de cliques à esquerda resultou numa atomização eleitoral, com diversas equipas a jogar apenas pela manutenção na primeira divisão.

10 opiniões sobre “Sábado

  1. Análise correta e inteligente e difícil de argumentar contra. 

    Eu acrescento ainda pelo menos dois fatores que raramente são apresentados e não entendo bem porquê. 

    Primeiro: determinadas instituições públicas, portuguesas e europeias, estão relativamente controladas pela extrema direita. Em França, Petain continua vivo. Em Itália Mussolini continua vivo. Em Espanha Franco continua vivo e em Portugal Salazar também continua vivo. E em outros países, o fenómeno é semelhante. Basta olhar para os nossos tribunais e para o Ministério Público. Em outros países da comunidade penso que não será muito diferente. Em Espanha, o Franquismo na Instituição Judicial é absolutamente chocante e Itália a mesma coisa.

    Segundo: a comunicação social, especialmente, as televisões.  A extrema direita é literalmente levada ao colo e alimentada pelos diversos canais de televisão. As televisões são criadas e geridas pelo capital e pelos interesses ideológicos, económicos e financeiros desse capital e de poderosas multinacionais. Para esta gente até o nosso PSD é de esquerda e o PS de extrema esquerda. Em Portugal é só olhar para as estatísticas dos tempos de antena. Um autêntico e verdadeiro escândalo. Ventura chega a ter mais tempo de antena do que muitos outros todos juntos.

    O poder da televisão e poderosissimo e não entendo porque o menosprezam e ocultam. A propaganda é mais poderosa que qualquer boa prática política, seja de direita, do centro ou da esquerda.

    Um tercero ponto, seria o poder do tio da América. Mas, não vale a pena.

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    1. Quanto ao MP, há uma teoria conspirativa que defende que está infiltrado pelos dois “extremos” e não apenas por um.

      Quanto à comunicação social, com o seu afunilamento e cartelização, a diversidade quase desapareceu, a par de muita credibilidade. Em especial quando cooptam, em troca de avenção bem mais generosas do que os salários dos verdadeiros jornalistas, ex ou potenciais governantes. Não acho que a extrema-direita seja levada ao colo. Pelo contrário, acho que é o cinzentismo comunicacional que potencia o aparecimento e popularização, por outros meios, de discursos maois “vigorosos”.

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      1. Eu não alinho em teorias conspirativas.

        Os dois extremos?!!! Não tenho dados e duvido que alguém tenha, mas factos são factos: Na Madeira destronaram o PSD com o avião gigante carregado de policias e no Continente destronaram o PS com um simples parágrafo demolidor. Há alguma dúvida de que a extrema direita não esteve ausente desta aventura? Algum tipo de esquerda estaria interessada nisto? A verdade é que na Madeira o Chega trepou forte e no continente a mesma coisa no seguimento dessas coisas.

        Levar ao colo pode ser exagero. No entanto também não estão interessados em derrubá-lo. E só isso já é grave. A comunicação social, especialmente televisões e alguma escrita são fortemente responsáveis. Disso não tenho qualquer dúvida e os tempos de antena dado ao Ventura nos diversos canais comprovam-no.

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  2. Como sempre, excelente análise!

    Os governantes europeus/nacionais e ditas esquerdas têm empurrado a população para os braços da direita/extrema. Como diz o Paulo – é preciso responsabilidades, agora e depois.

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    1. De certeza absoluta que ninguém estará isento de culpas, até nós próprios as teremos, e temos.

      Mas, quando falas de esquerdas, caso de Portugal, a que esquerdas te referes? O único que esteve no poder e a que chamam de esquerda, foi o PS. E o PS é de esquerda? Não é um vulgar partido liberal ou neolibaral? É que eu vejo este PS mais à direita que o PSD há alguns anos atrás. Estarei errado? Ou a culpa é da geringonça? Ou todos falhamos quando embarcamos na propaganda que o psd é de esquerda e o ps de extrema esquerda? Sem clubismos, eu tento compreender. E mais não pretendo do que compreender.

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  3. Os partidos de direita (ou essas coisas “centristas”) deviam-se lembrar de um tal Von Pappen que pensava que ia domesticar o monstro ao convidar o NSDAP para o poder.
    O Morcão francês foi sempre um neoliberal enamorado pelos americanos que abriu a porta aos putinistas franceses.
    Os portuguesinhos na França que votaram na filial azeiteira nacional agora choram que, afinal, não são tão franceses como pensavam.
    Já dizia o outro Marx “a história repete-se, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

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  4. Independentemente das razões (o desenlace Vichyssois do folhetim nos anos 30 deu-se com a invasão nazi, e não nas urnas), não deixa de ser verdade que hoje é um dia em que um monte de calhaus vai votar na britadeira. Não quero fazer subir a minha tensão arterial, por isso abster-me-ei de explicar que há três semanas houve comunas que têm um alto nível de vida, segurança, escolas, creches e hospitais públicos de qualidade e gratuitos onde mesmo assim os fachos ficaram à frente. Calhaus há por todo o lado, basta uma pequenina sugestão para os acordar.

    E já que alguém meteu aí o inenarrável Onfray, aconselho o Emmanuel Todd que pelo menos tem sentido de humor.

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    1. “Emmanuel Todd criticizes Western policy, as opposed to that of Vladimir Putin, whose propaganda he spreads, notably justifying Russia’s invasion of Ukraine by relying on false information originating from Russian disinformation”

      “In his analysis, Putin’s Russia emerges as probably a more trustworthy partner in today’s world than the US. ”

      “Todd claims that the 11 January 2015 marches to show solidarity with the Charlie Hebdo staff who had been massacred by Muslim terrorists several days before were an expression not of French liberal values but of racist and reactionary currents in French society. The work has been accused by politicians of a seeming willingness to look aside from the reality of Islamist terrorism”

      Vai-te encher de moscas, Todd…

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  5. Nunca ouvi, nem li, o Todd defender a invasão da Ucrânia …

    Seria mais cogente partilhar um texto assinado por Todd ou uma entrevista/palestra onde ele fale sobre esses temas, em vez de fazer um copy paste de excerptos de uma qualquer coisa sem assinatura e sem nada que corrobore as asserções/acusações. O Todd já é crescidinho, os leitores também, por isso fico-me por aqui.

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