Um Par De Notas (Ainda) Sobre A Questão Do Projecto MAIA

Entre as pessoas que defendem a sua existência e continuidade são apresentados alguns argumentos que me parecem pouco válidos ou mesmo mistificadores da realidade vivida em muitas escolas.

Antes de mais, aquela questão do dito projecto ser de adesão “voluntária” pelas “escolas” e, por isso, a sua supensão ou extinção não fazer sentido, pois é apenas uma possibilidade a que se pode aderir ou não.

Pois… nem vou entrar (mais uma vez) pela parte das inquirições inspectivas.

Vou ficar-me pela parte das “escolas” aderirem ao projecto, focando-me no que se entende por “escolas” e nos seus processos de decisão nesta matéria. Porque há quem diga que estas decisões são tomadas no Conselho Pedagógico, que é formado por professores, escolhidos por professores. Mas isso é mentira, pois, de acordo com o artigo 32 do decreto-lei 13772012:

A composição do Conselho Pedagógico é estabelecida pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada nos termos do respetivo regulamento interno, não podendo ultrapassar o máximo de 17 membros e observando os seguintes princípios:

a) Participação dos coordenadores dos departamentos curriculares;

b) Participação das demais estruturas de coordenação e supervisão pedagógica e de orientação educativa, assegurando uma representação pluridisciplinar e das diferentes ofertas formativas;

2 – Os agrupamentos de escolas e as escolas não agrupadas podem ainda definir, nos termos do respetivo regulamento interno, as formas de participação dos serviços técnico-pedagógicos.

3 – O diretor é, por inerência, presidente do conselho pedagógico.

Isto significa, em termos concretos, que apenas de 4 (Secundária não agrupada) a 6 (Agrupamento) elementos do CP são escolhidos, numa eleição restrita a três docentes designados pel@ director@, pelo resto dos professores. Todos os outros elementos, que podem ir até 13 são realmente designados, de um modo ou outro, pel@ director@ e presidente do dito CP. Não adianta firem com conversas da treta, pois o CP é, na sua maioria potencialmente qualificada, uma emanação da vontade da liderança unipessoal. Há quem lá esteja a representar dezenas de colegas (caso do departamento correspondente ao 1º ciclo) e há quem esteja por designação feita para um determinado cargo, sem que isso signifique a representação de mais do que uma pessoa ou um nicho de interesses, cuja manutenção depende das boas graças de quem decide quem ocupa esse cargo.

A decisão de adesão a este tipo de projectos é “voluntária” e “tomada por professores”? Sim, formalmente é assim; na prática, é toda uma outra coisa e chega de fumarada ou poeirada a esconder o que é evidente: querendo uma só pessoa e sendo essa pessoa prepotente e usando extensivamente a sua capacidade de pressão, até podem estar todos os professores dos 6 departamentos contra, excepto os tais designados para as “demais estruturas” ou “serviços técnico-pedagógicos”, que a votação no CP pode reflectir algo completamente diferente do sentir da larga maioria de quem tem de trabalhar quotidianamente com os alunos.

E sabe-se bem como muitas lideranças locais gostam de ficar bem no retrato, serem convidadas para “eventos” e serem recompensada pelas equipas de avaliação externa.

Até porque:

O Projeto MAIA constitui-se como um esforço concertado a nível nacional no sentido de desenvolver um processo que, em colaboração com os CFAE, com as direções dos Agrupamentos de Escolas/Escolas Não Agrupadas e com os docentes, crie condições para que a avaliação pedagógica seja integrada nos processos de desenvolvimento curricular e, desse modo, se articule com o ensino e com a aprendizagem.

O Projeto MAIA teve o seu início em setembro de 2019, contou com a conceção e coordenação do Professor Domingos Fernandes e com a implementação da Direção-Geral de Educação.

Sim, não é obrigatório… e há quem resista, mas não é por falta de vontade ou empenho da DGE que, pelo que se percebe, paga a conta dos encontros nacionais do projecto.

Passemos a outro “argumento” contra a cessação ou suspensão do projecto, que é aquele da necessidade de o “avaliar” com “rigor”.

Pois…

Como se não conhecessemos as práticas de auto-avaliação promovidas pela equipa do projecto. Até agora temos dois relatórios, para os anos de 2019-20 e 2020-21 (os atingidos pela pandemia), que assentam as suas conclusões em inquéritos feitos aos responsáveis, nas escolas, pela sua implementação. Ou seja, perguntam-lhes se acham que escolheram bem o que escolheram e se fizeram bem o que fizeram. Basta ver quem foram os formandos nas acções de divulgação do projecto.

A verdade é que nunca existiu qualquer avaliação externa do projecto nestes cinco anos e muito menos um olhar independente sobre a opinião dos professores “comuns”, sem cargos de chefia ou “implementação” da coisa em si. Muito menos um inquérito anónimo sobre isso.

Quanto a relatórios locais, tive oportunidade há um ano de projectar na Comissão de Educação vários diapositivos sobre a forma como se replicam em cascata pelo país as mesmas fórmulas decalcadas da matriz inicial, que nem vale a pena usar o termo “original” neste contexto. Estes exemplos são apenas uma curta amostra do corte e costura feito, entre palmadinhas nas próprias costas e dos colegas de “equipa”.

Aquilo de que alguns acusam os professores de fazer se não tiverem quotas para a excelência é a regra nestas autoavaliações com direito a sessão colectiva de auto-satisfação.

Virem agora dizer que é necessário “mais tempo” para proceder a uma avaliação rigorosa do impacto do projecto, só pode ser uma piada de mau gosto.

E nem sequer ainda me dediquei em seguir o “rasto financeito” do projecto, como alguém já me sugeriu, para explicar certas adesões e tanto ardor na defesa de algo que apenas nos faz arder, no pior dos sentidos.

27 opiniões sobre “Um Par De Notas (Ainda) Sobre A Questão Do Projecto MAIA

    1. Mesmo sendo “apenas” uma resolução era expectável.

      O PCP primou, há um ano, por nem aparecer na Comissão enquanto lá estávamos, embora o deputado Loff tenha feito questão de se passear à nossa frente, nos corredores.

      Quanto ao PS, com o outro ou este, em matéria de Educação, está dominado pelo patchouly bostoniano e as suas extensões cósmico-trinitárias.

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    1. Isso implica projecto de lei.

      E implica um pensamento alternativo coerente sobre as políticas educativas que não vejo em praticamente ninguém no Parlamento, tirando este ou aquele deputado que no passado foi mais traumatizado pelos alunos 😉

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      1. Que não será apresentado nesta legislatura pelo ‘bloco central’, como se viu pela votação…

        Num guião de 9 páginas para orientação da reunião de avaliação, contabilizei:

        10 a 15 relatórios a enviar à DT + DT avaliar cada estudante no projeto interdisciplinar (dac) + grelha de avaliação de cada disciplina + para cada estudante com nivel 2 ou <10, um documento com os dominios que necessita de recuperar aprendizagens e as medidas que irão ser mobilizadas para o ajudar a consolidar aprendizagens + apreciação global de cada estudante + apreciação na turma para menção de mérito académico, conduta exemplar, mérito desportivo + Plano de Acompanhamento na Recuperação de Aprendizagens + balanço da eficácia das medidas seletivas ou adicionais + ponderar a necessidade de mobilização de medidas de apoio e suporte à aprendizagem aos alunos de Português Língua Não Materna revelaram dificuldades de aprendizagem + Balanço das aulas de apoio para a Prova Final + Relatório Individual das Modalidades de Apoio para alunos com RTP + Plano Curricular de Turma (balanço do plano de ação e sua atualização para o próximo ano letivo, balanço das atividades realizadas, balanço das atividades desenvolvidas no âmbito do plano de Cidadania e Desenvolvimento)

        Numa AR em que os deputados não fazem atas nem preenchem documentação porque contratam para o fazer, seria expectável que não tenham sensibilidade para compreender a revolta docente de se sujeitar a uma ignóbil e inútil avalanche burocrática documental para cumprimento da legislação; se fossem sujeitos a este terrorismo burocrático, veríamos quantas abstenções e votos contra apareceriam…

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        1. Cruzes, credo!! Em todas as escolas há burocracia isso é um facto, mas há muita que é criada “localmente” pelos próprios professores. Depende muito do conselho pedagógico. Só posso concluir que há gente muito perturbada a trabalhar nas escolas.

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  1. A posição/votação do PS era de todo expectável. Teima em não “cortar” com o “costismo’s”.

    A posição/votação do PCP, só espelha a queda a tendência nas urnas e não dar a volta por cima, tentando adoptar novas posições e actuações.

    O artigo do Paulo, retrata bem a pouca democracia que existe no atual modelo de gestão nas escolas/agrupamentos.

    Haverá alguma esperança em ver este governo, com o apoio do PS, em alterar o referido modelo de gestão das escolas?

    Duvidamos.

    Como comentará o governo a notícia do DN:

    “Mais de 46 mil professores efetivos querem mudar de escola.”

    https://www.dn.pt/6669611655/mais-de-46-mil-professores-efetivos-querem-mudar-de-escola/

    Car@ docente, se foi um(a) d@s que concorreu para mudar de agrupamento, responda a este mini-questionário:

    Selecione a resposta que mais se adequa ao seu caso, colocando um X:

    1.

    -Estava cansado de ser feliz:___

    -Estava muito feliz, mas quer conhecer a realidade em outro(s) agrupamento(s): ___

    -É sempre bom (ao fim de alguns anos), mudar de agrupamento: ___

    -Outro(s) motivo(s): ___

    2. Concorda com o atual modelo de gestão das escolas:

    -Sim: ___

    -Não: ___

    Obrigado pela sua participação!

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      1. E se forem investigadas, muitas decisões pendem para o lado dos diretores, mesmo com factos e provas em contrário.

        O “Assédio moral” é estrutural e sistémico”.

        Por que razão não é mais investigado?

        Porque não interessa, a quem tem poder ou poderes.

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        1. Pode um diretor (mais malévolo) influenciar o que se escreve nas Atas?

          Pode.

          Formal ou mais informalmente (este via é a mais …).

          Atenção, que isto não se aplica à maioria d@s diretoras e diretores.

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          1. Pode um diretor, mudar a(s) turma(s) feitas pela equipa responsável pelos horários?

            Resposta:

            Pode!

            Pode desfazer os horários dessa equipa?

            Pode!

            Pode influenciar as decisões de um CT?

            Pode!

            Pode induzir/influenciar (subtilmente) alguns membros do CT?

            Pode!

            O que é que vários diretores pretendem?

            Acumular mais poderes, que vai contra a matriz identitária da democracia, que é a separação dos poderes.

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  2. Nunca as escolas foram tão permeáveis a charlatanices e lavagens cerebrais. Bastam um ministro, secretário de estado, diretor geral, falar num projeto muito giro num auditório cheio de diretores que no dia a seguir estão todos a pô-lo em prática nos seus Agrupamentos. No seguimento disto os CFAE lançam logo umas boas horas de formação sobre o assunto, mesmo que ninguém perceba rigorosamente qual é. A executantes da ADD rapidamente entram na onda e parametrizam e avaliam, tendo em conta o número de vezes que os docentes professam o novo credo.

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    1. Se Fernando Alexandre falar nas circunstâncias descritas, no, supúnhamos, projeto GAIA, e disser que é um projeto muito bom para promover a literacia da aprendizagem e da didática daquilo que vocês sabem, no dia seguinte ia tudo a correr querer aplicar isso no respetivo Agrupamento. Eh pá, mas percebeste o que é o projeto Gaia? Eu não, mas eles querem isso. Então tá bem, vou já aderir e pôr o selo do projeto ao lado logótipo do Agrupamento. E por aí vamos… A seguir vem a doutrinação nos CFAE, com todos a oferecer cursos e oficinas sobre o mesmo, que todos papam tapando os olhos e o nariz, numa espécie de sonambulismo. Pensamento divergente, eh pá não, isso é mal visto, ficas logo marcado e levas por tabela…

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  3. O projecto Maia foi pensado por psicopatas e sociopatas tipo Ted Bundy e só daqui a uma meia duzia de anos se verá a grande bosta que o mesmo foi..Grelhas Estalinianas que o próprio Kafka desdenharia de tal aberrantes que são

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    1. Dinheiro, ser diretor dá um bom suplemento.

      Interesses:

      Vários = Melhorar as estatísticas do sucesso (com facilitismo) e da indisciplina (escondendo alguns casos ou nãofazendo o reporte àsinstituições devidas.

      Ficar bem visto a todo o custo, para subir e entrar na lista para ser futuro Presidente de Câmara, ou Deputado, ou Serviços Regionais ou Centrais.

      Sonhar é fácil!

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  4. Então, está na hora de se lançar novamente petição para acabar com o Maia!

    Temos de mostrar a estes partideiros que, apesar de nos sufocarem, não estamos mortos!

    Quem percebe de educação são os professores!

    E a sucessão de petições tem de ser forte e regular até eles perceberem que o país quer é que os políticos trabalhem, que se informem e que tomem decisões a favor do interesse do país e não dos encostos e interesses partidários!

    O João Costa soube dar o nó bem dado e, mesmo antes de sair, ainda colocou a cereja no topo do bolo nomeando como fiscalizadora a Ariana. A Maria de Lurdes denegriu os professores, o Coelho mandou-os embora e, a seguir, o que o João Costa fez foi de mestre porque o caminho do Maia foi gizado com os DL 54 e 55, que também vão precisar de petição! Com maquiavelismo, paciência e empatando os professores, aquele fez tudo para levar como prenda no sapato o cargo na OCDE!

    As políticas instituídas estão erradas e somos nós, aqueles que percebem de educação, os professores, a ter de fazer ruír o péssimo paradigma de culpabilizar sempre o professor pelo insucesso do aluno e da promoção forçada do empobrecimento das aprendizagens e promoção do facilitismo escolar. l

    Com tanta petição e demonstração da falência da teoria imposta havemos de fazer virar a página! É assim que tem que ser.

    Entretanto a realidade também dará o seu empurrão porque já se começa a ver na vida ativa os efeitos desta ideologia. É que os estudantes destas fornadas, ao ingressar no mundo do trabalho, revelam-se grosseiros e desestruturados. Médicos, professores, engenheiros, juízes, etc incompetentes afundarão sociedades.

    A Ciência faz falta e o Conhecimento é fundamental. As humanidades precisam de ser reforçadas, tal como as artes, pois só com sabedoria e criatividade se constroem sociedades livres de escravos dependentes pelo cultivo da ignorância!

    Todos os professores que deram a cara e assimaram pela fim do MAIA merecem reconhecimento e gratidão! É preciso não dedistir, mesmo quando nos negam com más decisões e cabalas aquilo que sabemos ser justo. Mesmo quando nos verguem com o peso de grilhões e de grelhas! A deontologia e a responsabilidade profissional do professor comprometem-nos com o futuro obriga-nos a não aceitar de ânimo leve semelhantes aberrações!

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  5. Moral da história: esta m… de projetinho MAIA veio para ficar e não há nada a fazer.

    Felizes os (poucos?) que ainda não tiveram que aguentar com esta treta. Desfrutem de cada momento enquanto é tempo.

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