“E Não Tens Medo Que Não Te Voltem A Convidar?”

Não, porque no dia em que começar a calcular ao milímetro as minhas opiniões ou apreciações factuais, só para não desagradar a quem tem certos poderes nas mãos, acabo por trair as minhas convicções e é nesse momento que perco o respeito, não apenas dos outros, mas de mim próprio. Se andar nisto apenas para manter um lugar na coreografia geral, algo está errado. Quantas vezes desejo que, em vez de convites, existissem soluções. Que em vez de andar a contraditar, pudesse aquiescer de coração aberto.

Portanto, não, não me incomoda nada “desaparecer”. Por vezes, até faço por isso. Em tempos (Março 2015 e não de 2011) até tive a esperança de que isso fosse possível. Só queria que me deixassem fazer o meu trabalho com os alunos em paz, em condições, com meios nas escolas para isso e que sobrasse algum tempo para os que me são próximos e para os meus mais do que conhecidos vícios.

(DN, 31 de Março de 2015, lá está, quando o DN ainda se interessava… embora a foto seja de 2009)

2ª Feira

Tenho saudades da velha Quadratura do Círculo Mesmo quando discordava de quase tudo, apreciava as argumentações. Ficou-me o hábito de ir ouvindo a versão radiofónica, a partir de meio, quando vou a caminho do almoço. Embora admita que me irrita ouvir a “nova esquerdista” Alexandra Leitão, por tudo o que não como governante e agora é como comentadora. Uma espécie de Nuno Crato, mas ao contrário. Hoje, já passava das 13.30, começou a falar sobre a inflação e as suas razões e como regular os preços ou reduzir o impacto dos aumentos nos consumidores, dizendo que não era especialista no tema. Passei para música e voltei à TSF 4-5 minutos depois. Ainda falava. Voltei a mudar. Regressei outros 4-5 minutos depois e ainda estava a concluir, sem interrupções pelo meio. Foram praticamente 10 minutos a falar sobre um assunto que não dominava e, pelos excertos que ouvi, acerca do qual se informou numas pesquisas no google. Eu sei que é paga para opinar a metro, como precoce “senadora”. E que o “formato” do programa é aquele.

Mas chateia que quando um@ professor@ é chamado para falar sobre um tema que conhece e domina há anos, 7-8 minutos sejam a média, com perguntas mais ou menos extensas pelo meio. Com muita sorte chega aos 10-12 minutos. No meu caso em completo pro bono, mesmo quando me desloco aos estúdios. Como o Ricardo ou o Paulo, que melhor conheço. Ou a Cristina, ontem. E a verdade é que ainda agradecemos que nos deixem falar, sem nos cortarem o pensamento a meio, por condensado que seja. Por isso é que são tantos ou mais os “nãos” que dou do que os “sins” e já não altero rotinas familiares para me ver meia dúzia de minutos a repetir argumentos que deveriam estar adquiridos, como aquela questão dos “prejuízos para os alunos e as aprendizagens”. Ou a ter de desmontar a rasteira argumentação ministerial sobre os encargos e a equidade da recuperação do tempo de serviço dos docentes.

Não quero, com isto, dizer que pretendo qualquer pagamento, mas apenas o mesmo tempo do que uma não-especialista para falar daquilo que conheço de forma directa há umas boas décadas e que até estudei durante uns bons anos. Porque a mim não apanham a comentar tudo e mais alguma coisa, muito menos assuntos sobre os quais tenho apenas umas ideias gerais. Como anda tanta gente a fazer em torno da Educação. Façam-nos a favor ou contra aquilo em que acredito.

O Esvaziamento De Uma Profissão

Já muito se falou ou escreveu sobre isto. Os teorizados de uma pseudo-modernidade do novo século á imagem das teorias da segunda metade do século passado apresentam a coisa como inevitável “Ser professor@” no século XXI não é o mesmo de “ser professor@” no século XX ou XIX. MAs uma coisa é mudar a forma de o ser, outra atraiçoar a sua essência, abandonando o que a define: a transmissão geracional de um corpo de conhecimentos acumulados pela Humanidade, na possível diversidade e profundidade de uma educação básica ou mesmo secundária. A outras profissões não fizeram tal: ser médico, advogado, juiz, polícia, bombeiro, arquitecto, engenheiro, pode ter mudado nos últimos 200 anos nas ferramentas usadas, no modo de tratar a saúde, segurança, justiça, etc, mas não se entrou por “desnaturar” essas profissões, como tem sido colocado em prática nas últimas décadas em relação à docência e ao “ser professor” que, para algumas e alguns, é quase uma espécie de ofensa à sociedade, como se ser professor@ fosse como que uma inaceitável pretensão de sabedoria superior em relação ao vulgo. Embora tod@s que assim clamam tenham tido quem lhes ensinasse e, curiosamente, se apresentam como professor@s, nem que seja em opção secundária, quase sempre “superior”.

A actual elite no poder na Educação, que muito para isso se esforço nos últimos 35 anos, parece ter assumido como sua missão não a transformação da docência de acordo com os tempos, mas o assassinato da alma de uma profissão e da relação entre professor@s e alun@s. A ideologia simplória de um pseudo-igualitarismo tem-se entretido em demonstrar que alun@s e professor@s estão no mesmo plano na escolas, na Educação, no processo de “ensinagem”, no acto pedagógico. E ufanam-se nisso mesmo, como se fossem eles os defensores da “justiça” e de uma “equidade” de fancaria. Não é apanágio de um único sector do espectro político, mas tem especial incidência numa espécie de esquerda beata e dogmática do tal “igualitarismo” a quem horroriza a individualidade e a diferença, mesmo quando afirmam defendê-las. A quem a diversidade de pensamento e a crítica incomodam, mesmo quando “perfilam” competências nessas matérias. Hipocrisia, apenas, porque o que mais desejam é a domesticação de todos. D@s alun@s, através d@s docentes, porque ao domesticar estes e ao submetê-los a um pensamento simplista, desintelectualizado, crítico do “conhecimento” científico, que se pretende relativo e muito conjuntural, conseguem que a formação das novas gerações siga essa lógica uniformizadora, em que se multiplicam as tonalidades, anulando-se as cores.

O legado do costismo educacional, com ou sem chancelas de ocêdêés será esse, na linha do benaventismo dos anos 90. Não é por acaso que o doutor fernandes atravessa as décadas e renasce. O ministro Costa é apenas discípulo, bem como parte de quem forma a sua corte, das doutoras cosmes às directoras cohens, não esquecendo as figuras que espalham formações que replicam as vulgatas do doutor rodrigues, felizes e impantes por terem conseguido finalmente impor as suas distopias pessoais à Escola Pública. Se para esse desígnio era necessário eviscerar a profissão docente, em nome de um “sucesso” de aparências, nenhum problema. E a proletarização da docência, bem como o retorno galopante da sua precarização, são apenas ganhos colaterais, porque um@ professor@ mal pago é um@ professor@ que lê menos, que se informa menos em qualidade, que se cultiva menos, que tem menos capacidade de resposta e resistência.

As últimas duas décadas têm, com ligeiras diferenças de intensidade, sido muito coerentes neste esforço de desqualificação académica da classe docente, da menorização do seu papel social, de fragilização da sua condição material. O ministro Costa é apenas o último operacional na fila, nem especialmente original ou brilhante nesse papel. E muito menos tão perspicaz como se julga, porque tomou como boas as notícias que lhe foram sendo transmitidas pel@s suas/seus fiéis acerca da morte da alma anacrónica de quem ainda se sente professor@ e não apenas cuidador de crianças e jovens.

A Segunda Intervenção Da Hora Do Almoço

O vídeo está na notícia. A conversa foi algo cortada a pouco mais de meio, mas continuou, mais tarde, no espaço a seguir às 14 horas. Ando a ver se consigo achar esse vídeo. Na box fica por 7 dias, mas gravar da tv é chato 😀

“Negociações prolongaram-se porque Ministério fez por isso: apostou que professores desistiriam e não teriam apoio da opinião pública. Não correu bem”

A Primeira Das Três Intervenções Da Hora De Almoço

Esta, na SICN, com a Marta Atalaya em modo de ataque 😀 . Agradeço a recolha do vídeo ao incansável David Delfim Azevedo.

A ver se, entretanto, consigo as duas intervenções na CNN, uma pelas 13.30 (algo encurtada) e outra pelas 14.15 (mais distendida, ao ponto de ter sede e pena de ter deixado a água fora do estúdio). Para os observadores, descubram a diferença entre os três momentos 😀

O Paulo Prudêncio também fez uma dupla, mas na SICN (ver mais abaixo) e depois foi à CNN. Boas intervenções também do Carlos Ceia e do João Jaime. Até o Filinto quis entrar no coro a meio da tarde, depois de ter deixado de ser o anfitrião sorridente do ministro Costa. Ricardo Silva mais logo. Por uma vez, não nos queixemos da cobertura privada das manifestações. O parente pobre foi a RTP, mas “percebe-se”…

Da Iniquidade

Entre os materiais usado para o texto a incluir no JLetras/Educação da próxima semana reencontrei um dos documentos oficiais produzidos em 2019 para justificar o injustificável com base num alegado “racional” e numa “lógica” [sic] que permitiu que umas carreiras recuperassem TODO o tempo de serviço congelado entre 2011 e 2017 e que outros, que tinham já tido outro congelamento, se ficassem por pouco mais de 33 meses.

A quantificação do tempo a reconhecer aos trabalhadores das carreiras especiais da administração pública foi definida com a seguinte lógica: nas carreiras gerais, um módulo padrão de progressão corresponde a 10 pontos que, em regra, são acumulados ao longo de 10 anos. Como tal, os 7 anos de congelamento correspondem a 70% do módulo de progressão de uma carreira geral. É a este peso relativo do congelamento que se recorre para mitigar o impacto nas carreiras essencialmente fundadas no tempo, às quais deverá, por conseguinte, ser aplicado aos módulos padrão de progressão, o racional de 70%.

De facto, as carreiras dos corpos especiais da administração pública têm diferentes módulos de tempo padrão para progressão. No caso dos professores, por exemplo, o módulo de tempo padrão é de 4 anos, pelo que, aplicando o racional dos 70%, se obtém uma recuperação dos 2 anos, 9 meses e 18 dias.

Perante isto, penso que é razoável o que escrevi sobre o assunto e daqui por uns dias se poderá ler de forma mais extensa, explicadinha e “racional”, que é a minha forma de demonstrar a desonestidade (intelectual, mas não só) alheia.

Ou seja, o tempo não foi recuperado de forma absoluta, mas relativa a um referencial específico de cada carreira, ou seja, trataram-se realidades muito diferentes pela mesma bitola, ao contrário do que ainda recentemente se tem afirmado. Por exemplo, nas carreiras em que os escalões têm 10 anos, os 70% corresponderam à recuperação integral dos 7 anos em que para elas existiu “congelamento”, enquanto que no caso dos professores, cuja carreira se estrutura em módulos quase todos de 4 anos, aqueles 70% ficaram reduzidos a 2 anos, 9 meses e 18 dias. Para além de que o cálculo incidiu, de forma explícita apenas nos anos de 2011-2017 e não em todo o período que realmente durou a paragem da contagem de tempo de serviço para a classe docente. Tudo isto foi apresentado publicamente como fazendo sentido e sendo “justo”.

6ª Feira

Amanhã há uma nova “marcha pela escola pública”, que leva a seguir o nº 3 para que se percebam quantas foram e são e como se distinguem de outras. tenho gente amiga que vai e gente amiga que não vai e estimo tod@s tanto hoje, como amanhã ou domingo. A liberdade é isso mesmo, escolher em cada momento o que se considera correcto (não) fazer ou estabelecer prioridades com outro tipo de compromissos. Não aceito imposições de nenhum lado, pelo as pessoas idiotas que demonizam quem vai ou quem não vai, por razões que acham extremamente válidas, para mim permanecem idiotas. Repare-se que não estou a chamar idiota a quem vai ou não vai, mas a quem absolutiza o valor de uma opção em relação a outra e faz uma série de julgamentos (morais? éticos?) sobre o livre arbítrio individual.

Portanto, fica aqui o cartaz com o anúncio e que cada um@ se sinta na plena liberdade de fazer o que entende, que terá o meu completo apoio, desde que não desate a ofender a integridade de quem não faz o mesmo. Nesse caso, não espeto olhos com “criatividade”, nem faço remoques historicamente mais ou menos rigorosos no jornal da agremiação, mas tenho a língua afiada.

5ª Feira

Maria de Lurdes Rodrigues chegou à Educação – não só ao ministério, mas à própria área da Educação – em 2005. Por vontade própria ou porque se acomodou a fazer o que a outros interessava, desenvolveu um conjunto de políticas que estão na origem, ou agravaram, muito do que agora aflige a docência e a própria Educação. Na altura, foi ela que decretou o primeiro congelamento da contagem do tempo de serviço e das progressões na carreira, logo em 2005, algo que nem sempre é recordado quando as análises se limitam aos anos do congelamento de 2011-2017, repartido entre três governos (PS e 2011, PSD/CDS em 2011-2015 e PS com “geringonça” em 2015-17). Na altura era ainda secretário-geral da Fenprof, Paulo Sucena. Em 2007, passaria a ser Mário Nogueira.

Por isso, não deixa de ser curioso ler a análise de ambos sobre a situação actual, sendo que coincidem na auto-desculpabilização sobre o que se passou, uma omitindo que foi sua a responsabilidade por colocar em marcha a máquina trituradora dos docentes, num exercício de hipocrisia que a deveria envergonhar se praticasse a vergonha em causa própria, o outro não percebendo que em momentos-chave, mais do que limitar perdas, as ajudou a consolidar. Pior mesmo é confundir a Fenprof com todos os professores, iniciando o seu texto da seguinte forma “As greves convocadas pelos sindicatos de professores a partir de 16 de Janeiro constituem uma forma de luta particularmente pujante, mas inscrevem-se num combate de décadas pela Escola Pública, intensificado a partir de 2018”. Goste ou não do S.TO.P. e do seu líder e estratégias, as greves de professores não começaram a 16 de Janeiro e a sua intensidade já vinha de semanas de luta; assim como apagar o período de activo colaboracionismo com o ME até 2018 faz lembrar a amnésia da “reitora” em relação ao próprio passado.

O nível de responsabilidade é diferente? Claro que sim e por isso mesmo é que a classificação, por Mário Nogueira, da história recente da Educação e da docência em períodos “antes de LR” e “depois de LR” é correcta e alinha com a análise que muitos já fizeram dos últimos 20 anos nesta área da governação. Mas é errado minimizar erros próprios no modo como colaborou na “solução” dos conflitos que ele próprio identifica: em 2008 antes de mais, mas também em 2013 e 2018. O conservadorismo “institucional” demonstrado e a aparente falta de confiança na capacidade de mobilização dos docentes foi evidente em vários momentos. O que deu origem ao fenómeno S.TO.P. que não pode limitar-se à análise simplória que o acusa de “populismo”.Até porque muitas vezes essa acusação é feita por gente com suficiente formação política e histórica para não gastarem esse tipo de qualificativos de forma irresponsável. mesmo se se percebe que é de modo instrumental, para colocar em outros a “culpa” pela “radicalização”. O que agradecem muitos do que outrora demonizaram Mário Nogueira, para agora demonizarem André Pestana, ou fazerem-no a meias. O que pode interessar a muita gente, menos aos professores que querem ver as suas razões de queixa atendidas nos pontos mais importante, em vez de assistirem a encenações.

Maria de Lurdes Rodrigues e Mário Nogueira são duas faces, mesmo que assimétricas (nas responsabilidades, num caso; no tempo, em outro), de quase duas décadas de muito má memória para @s professor@s. Ler a forma como auto-analisam estes anos serve para que se perceba que até podem ter razão em alguns diagnósticos ou sugestões de cura, mas que o fazem de modo oportunista ou com memória selectiva.

Já quanto ao S.TO.P. e a André Pestana, que tanto quiseram chegar ao campeonato dos “grandes”, agora precisam decidir se adoptam os mesmos tiques dos antecessores, se continuam na correria que os deixará, dentro em pouco, com o pelotão todo esfrangalhado, se têm a capacidade de parar um pouco para reflectir, perceber que os credos ideológicos devem ficar no seu lugar e não contaminar o que exige uma análise pragmática e transparente: querem defender os interesses dos professores ou algo diferente, algo mais… Paulo Sucena em 2019 explicava que a Fenprof nunca quis ser “corporativa”.e explica “que a sua estratégia era guiada para obter melhores condições socioeconómicas, de trabalho, nomeadamente dos professores, mas também numa perspetiva de justiça social, de melhoria da nossa sociedade como um todo. Não era centrada nas questões corporativas.”

Em 2008 percebemos isso da pior maneira e o ressentimento é muito grande. E seria bom que Mário Nogueira e as segundas linhas da Fenprof percebessem isso.

Se tinham ou têm vergonha de ser “corporativos” mudem de nome e não nos enganem.

O mesmo se aplica a André Pestana: se o incomoda ou limita ser apenas representante dos professores, é bom que o aclare mais do que mudar o nome do sindicato.

Porque ficamos sem saber a quem “servem” sindicatos embaraçados por representarem uma classe específica.

Porque os professores precisam, com muita urgência e vontade, de alguém que os defenda sem vergonhas, sem agendas paralelas, sem objectivos além da classe docente.

(e, principalmente, que os seus fiéis não optem pelas estratégias de enlameamento de quem discorda da sua linha, como aquelas que lhes desagradam quando são lançadas na sua direcção. Não nos faz falta mais uma (mini) Fenprof. Pluralidade e democracia é respeitar as visões divergentes, argumentar, demonstrar a sua razão, não querer calar em nome de “unidades”, à moda do que outros já tentaram… e falharam)

Porque do “outro lado” ninguém está com esse tipo de pruridos. O ataque é firme, concertado e sem brechas. Ao contrário dos professores que parecem andar a ser representados sempre por quem parece achar “corporativo”, num sentido negativo, o que em outras classes profissionais qualificadas é visto como um factor de união, mesmo que seja na diversidade: enfermeiros, médicos, advogados, juízes, polícias ou oficiais de justiça lutam, de diferentes formas, pelos seus direitos, sem embaraços, não pelos dos vizinhos, sem que isso signifique falta de solidariedade, mas apenas noção das prioridades.