6ª Feira

Eu percebo que meter a revogação do pseudo-acelerador de carreiras nas negociações com os sindicatos foi um daqueles truques básicos de jogo politico-negocial. Até porque não estava em qualquer promessas eleitoral ou no programa do governo. É algo ali colocado para focar as atenções e afastá-las de outras questões. Seja como for, o problema maior desse tipo de medida – que foi logo aplicada em outras carreiras, em nome do que agora chamam “equidade” – nem é se “prejudica” 50.000, 100.000, 20.000 ou 500. O problema maior é o de representar a continuidade de uma política de regressão dos (escassos) direitos existentes, de inversão de medidas no sentido do prejuízo dos visados, algo que se tornou praticamente a regra em relação à classe docente nos últimos 20 anos.

Ao lado dos congelamentos, houve a reconfiguração da carreira (ECD de 2007), acrescentando-lhe patamares e entraves para quem já nela estava e não apenas para quem nela entrasse a partir desse momento, o que significou uma evidente retroactividade da eficácia da lei. Foi a criação de mecanismos “especiais” ou “excepcionais” dos critérios de integração na carreira que levaram a intoleráveis ultrapassagens ao longo dos anos. Foi a definição incompetente (ou ardilosa, para servir micro-interesses) de formulações legislativas que levaram a tratamentos diferenciados de situações praticamente iguais. Foram as instruções centrais para dificultar ao máximo todo o tipo de contestação “interna” nas escolas em áreas como a gestão unipessoal ou a avaliação do desempenho. Foram as respostas divergentes a questões iguais, de acordo com quem as colocava, pelos serviços ministeriais, através, por exemplo, da ferramenta E72 da plataforma SIGRHE. Algo que confirmei em primeira mão, ao pedir a terceiros para colocarem a mesma questão para a qual eu tinha recebido resposta “direccionada”, que se percebia ter sido feita à medida do chato que a tinha formulado.

Esta forma de desrespeitar princípios básicos dos cidadãos se ter tornado uma quase regra é uma das razões fundamentais da desconfiança com que se encaram quaisquer promessas ou negociações com um ministério que há vinte anos é ocupado por gente sem qualquer preocupação em ser coerente (o episódio maior é o da “reitora” que se recusou a ser avaliada, depois de levar anos a dizer que todos o devem ser, mas está longe de ser o único, como o de outra governante que martirizou as regras dos concursos e agora aparece a clamar por justiças diversas), desde que isso garanta carreira posterior, lugar de avença televisiva para comentário de qualquer tipo ou estatuto de “senador@” do regime. Ou tudo em conjunto.

A revogação do lentíssimo pseudo-acelerador pode ter sido apenas o tal “truque” introduzido nas negociações para distrair, mas só a ideia de o fazer é reveladora do baixíssimo (des)nível a que chegámos em questões de princípios básicos de convivência e confiança. Neste plano descendente, muito inclinado, da política, as esperanças de reversão tendem para o zero.