Domingo

Vamos lá tentar explicar isto de uma forma que seja clara, já que parece que há quem não perceba bem as coisas, que ignore parte do “contexto” ou mesmo alguns factos básicos de situações acerca das quais emite opinião.

Comecemos por um ponto prévio: é verdade que existem coisas válidas independentemente do contexto (no limite, o direito à vida), mas há outras que podem variar conforme esse mesmo contexto (um dia com 20º é capaz de não ser propriamente quente pelas nossas bandas, mas já o será, por exemplo, na Antártida).

Vem isto a propósito do 74/2023, mais conhecido por (pseudo) “acelerador” da carreira docente.

Quanto foi anunciado (Maio de 2023), para fingir uma cedência ao PR, e depois legislado como dl 74/2023 (Agosto de 2023) era um mau remendo para a situação de manutenção do tempo de serviço docente congelado (os tais 6-6-23). E pior ficou, em termos comparativos, quando, quatro dias depois, saiu o 75/2023 destinado a definir “uma medida especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público” para quem tivesse passado pelos dois congelamentos que os professores também tiveram

Vamos lá ler o seu artigo 3.º_

Artigo 3.º
Redução do número de pontos necessários para alteração obrigatória do posicionamento remuneratório

1 — Os trabalhadores que, no ano de 2024 ou seguintes, acumulem seis ou mais pontos nas avaliações do desempenho relativas às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram alteram o seu posicionamento remuneratório para a posição remuneratória seguinte à detida.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, quando os trabalhadores tenham acumulado mais do que seis pontos, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório.
3 — A redução do número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório a que se refere o n.º 1 é aplicável apenas uma vez a cada trabalhador.
4 — A alteração do posicionamento remuneratório produz efeitos a 1 de janeiro do ano em que o trabalhador acumule o número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório a que se refere o n.º 1

Com progressões ao fim de 10 pontos, a redução para 6 significou uma redução de 40% no tempo de permanência em qualquer escalão. Repito: em qualquer escalão. Para além de que estas carreiras são exactamente as que receberam 70% do tempo congelado, correspondente a 70% de permanência em cada escalão remuneratório, de acordo com o estatuto das suas carreiras.

Em contrapartida, aos professores foi concedida uma isenção de vaga na progressão ao 5º e 7º escalões e um ano de “aceleração” do 7º escalão para cima, ou seja 25% do tempo de permanência no escalão em que se encontrassem (ou ainda encontram). Foi algo mal feito? Foi, em termos comparativos e absolutos. É motivo de desigualdades no tratamento? Sim. Deve ser completamente revogado em troca da recuperação dos 6-6-23? Não! A menos que seja para o substituir por um mecanismo mais correcto e justo do ponto de vista técnico. Nunca para o revogar pura e simplesmente.

Dá para perceber porquê, com o que ficou explicado, ou será preciso fazer uma tabela em excel que demonstre que nas outras carreiras foi recuperado mais tempo e concedida maior aceleração? Cumulativamente? E que concordar com a revogação do dito “acelerador” é uma péssima ideia neste momento, pois o contexto é diferente e a discriminação negativa seria ainda maior do que já é, para não falar no tratamento diferenciado entre professores em escolas com direcções e secretarias competentes e outros onde isso não acontece, por muitas que sejam as explicações dadas, quase sempre a remeter para algo entre a treta e a má-fé?

Não tivesse existido “aceleração” bem maior nas outras carreiras e ainda poderia admitir que certos negociadores (não vou ser indiscreto ao ponto de dizer qual é um deles – algo que soube ontem e me provocou uma reacção menos compreensiva – mas não é nenhum dos mais óbvios) considerassem a sua revogação. Mas, no contexto presente, é um bocado (muito!) idiota prescindir do pouco que se conseguiu e que é menos do que foi dado a outras carreiras, algumas delas que nem mexeram uma palhinha para o efeito.

O problema é que temos alguns “negociadores” que são uma lástima. Claro que não são todos, embora existam uns que em privado estejam mesmo a precisar de uma ensaboadela das antigas. E desta vez nem falo dos que vão para lá a pedir mesa própria para comerem o farnel, em nome de todos os gatos pingados da galáxia (e mais além).