As Faltas Dos Professores E A Medicina do Trabalho

Acho interessante e estimável a acção da AJDF, mas é sempre bom verificar estes dados das faltas dos professores que o ME coloca cá para fora quando dá jeito. Neste caso, foi notícia de final de Janeiro, ainda em regime costista e deve-se a estudo de Isabel Flores, que numa altura diz que não há falta de professores e em outra diz que, afinal, faltam. Assim, de cabeça, 2 milhões de faltas por ano, a ser verdade, tendo em conta que existem cerca de 150.000 docentes em exercício, dá um pouco mais de 13 faltas por ano, ou seja, pouco mais de uma por mês. Para classe tão envelhecida, acho pouco e até me parece que é um valor bem abaixo da média da administração pública, como a Fenprof destacou na altura.

Outra coisa, é a falta de procedimentos regulares relacionados com a Medicina do Trabalho no caso dos docentes, que são obrigados a passar por situações caricatas, com a chancela dos próprios serviços do ME.

A Educação É Feminina?

Fica por aqui a página final do texto deito para a apresentação oral da comunicação (que deverá ter sido lida pelas 18.00, se o programa foi respeitado) de que apresento em anexo o pdf com o resumo visual das “evidências”.

De quando em vez sabe bem voltar às origens.

Conclusões preliminares

O levantamento feito foi limitado pelas razões já explicadas, havendo ainda bastantes matérias por aprofundar, mas é desde já evidente a assimetria entre a feminização da docência em todos os níveis do ensino não-superior e a participação feminina em quase todos os organismos relacionados com a Educação, desde as organizações de representação sindical e profissional à própria estrutura do poder executivo nesta área de governação, passando pela própria gestão escolar ou instituições como o Conselho Nacional da Educação.

Embora a escolarização feminina tenha sido um processo progressivo ao longo do tempo, a feminização das escolas de todos os níveis de ensino concretizou-se, no caso do corpo discente, bem antes do final do século XX e, no caso da docência, com algum desfasamento temporal, mas ainda no século passado.

No entanto, esses progressos não foram acompanhados por evolução similar, mesmo que com algum atraso, no plano da representação, da gestão escolar ou da decisão política. As explicações podem-se encontrar em factores como o conservadorismo da sociedade ou mesmo a permanência de um papel mais tradicional das mulheres, apesar da sua entrada no mercado de trabalho, no que se relaciona com o tempo ocupado em tarefas domésticas, o que as afastará da possibilidade de uma actividade complementar, relacionada com a sua profissão.

Mas também se pode colocar em presença a resistência masculina em ceder a sua posição dominante nas áreas tidas como mais relevantes em termos simbólicos e no plano do exercício do poder.

Isto também pode decorrer da docência ser encarada pela sociedade e pelo próprio poder político, como uma semi-profissão, o que pode estar associado à sua forte feminização e à permanência de preconceitos em relação às ocupações profissionais dominadas pelas mulheres, independentemente da sua relevância social.

Ou seja, a Educação é Feminina na base há muito, mas ainda está longe de o ser nos níveis de “topo”, nos de “representação”, mas muito especialmente nos de decisão.

Este Mês, No JL/Educação

Por uma vez, a gralha no destaque da edição em papel não é de minha responsabilidade 😉

Com o desenvolvimento acelerado da Inteligência Artificial (IA), que estendeu muito as capacidades dos algoritmos usados pelos programas informáticos para desempenhar tarefas, permitindo, através de redes neurais digitais, “reproduzir competências semelhantes às humanas como é o caso do raciocínio, a aprendizagem, o planeamento e a criatividade”, de acordo com uma definição contida num documento recente do Parlamento Europeu (“O que é a inteligência artificial e como funciona?”).

O mesmo documento acrescenta que “A IA permite que os sistemas técnicos percebam o ambiente que os rodeia, lidem com o que percebem e resolvam problemas, agindo no sentido de alcançar um objetivo específico [e que] os sistemas de IA são capazes de adaptar o seu comportamento, até certo ponto, através de uma análise dos efeitos das ações anteriores e de um trabalho autónomo”, numa formulação que se afasta dos aspectos mais complexos e técnicos da IA, no que diz respeito às suas capacidades e potenciais ameaças. Há mesmo quem considere que, à semelhança de outros períodos com “saltos” na área da Tecnologia que moldaram a evolução humana, a nossa já é “A Era da Inteligência Artificial” (título de uma obra de 2021 de Henry Kissinger, Eric Schmidt e Daniel Huttenlocher).

As potencialidades da IA generativa são imensas, pois é uma tecnologia que permite não apenas pesquisar, mas gerar todo o tipo de conteúdos, sejam eles em textos, imagens, músicas ou outros tipos de formatos, a partir do tratamento de enormes massas de informação que, por sua vez, permitem a consolidação das referidas “redes neurais” e interligar perguntas dos utilizadores a um contexto e, em seguida, à produção de respostas que sintetizam a informação sobre o tema em causa.

Embora ainda com algumas falhas evidentes, a IA consegue, nas versões mais correntes que entraram em uso massificado (ChatGPT, CoPilot, Gemini, Synthesia, Dall-E), produzir textos e imagens cuja origem se torna difícil verificar se é humana ou digital. O que tem consequências evidentes em áreas como a Educação ou a própria escrita que se pretende “científica”, porque torna porosa ou indistinguível a fronteira entre escrita humana da que é gerada digitalmente a partir de definição de um conjunto de critérios de partida.

Há poucos dias, um artigo na revista Scientific American (Chris Stolker-Walker, “AI Chatbots Have Thoroughly Infiltrated Scientific Publishing”, online desde 1 de Maio de 2024) denunciava que pelo menos 1% dos artigos de literatura científica publicados em revistas altamente especializadas indiciavam o uso dos chamados chatbots na sua produção, mas que isso poderá ser apenas a ponta de um imenso icebergue porque os programas de detecção destes textos gerados automaticamente ainda têm muitas limitações (Lauren Leffer, “Tech Companies’ New Favorite Solution for the AI Content Crisis Isn’t Enough”, online desde 23 de Agosto de 2023).

Da mesma forma, o uso de chatbots para produzir trabalhos académicos, nos mais diversos níveis de ensino, começou a disseminar-se e a levantar questões sérias quanto à fiabilidade do efectivo desempenho dos alunos, em particular nas Universidades. Há poucos meses (14 de Dezembro de 2023), em notícia do Expresso, dava-se a conhecer que “uma investigação que envolve mais de 400 estudantes universitários revelou que mais de metade utiliza a IA e os respetivos algoritmos para estudar ou realizar trabalhos e que a maioria não revela aos professores”, confirmando outros relatos anteriores e posteriores que alarmaram instituições como a própria UNESCO. Em peça da Agência Lusa de 7 de Setembro de 2023, reproduzida em vários canais noticiosos divulgava-se que “a UNESCO pediu esta quinta-feira aos governos para regularem com rapidez o uso da Inteligência Artificial Generativa (IA) nas escolas no sentido de garantirem a ética e concentrando nos humanos a educação e a investigação”.

No entanto, todo este alarme deriva de uma noção que acho equivocada sobre o modo de controlar ou limitar os efeitos potencialmente negativos uso da IA. No Diário de Notícias de 24 de Março de 2024 (Cynthia Valente, “A inteligência artificial vem mudar a forma de aprender e ensinar”) surgiam declarações de responsáveis e investigadores acerca da IA das escolas que me parecem falhar um ponto fundamental. Não me parece que o essencial seja que os “professores devem saber usar a IA para não serem substituídos”, mesmo se isso é importante. O essencial, no meu entendimento, é compreender que se queremos manter a Educação como algo humano, mesmo que assistido digitalmente, devemos ter humanos competentes nas suas áreas do saber, formados de forma competente, para que possam formar alunos que sejam competentes em mais do que pedir à IA que lhes produza trabalhos.

O uso indevido da IA é apenas um passo (ou vários) adiante em velhos processos de tentar, com pouco esforço, apresentar trabalho feito por terceiros. Contra isso, o método mais eficaz foi sempre o de olhos nos olhos, presencialmente, solicitar aos alunos que expliquem o conteúdo dos seus trabalhos e como lá chegaram. Penso que, mesmo em tempos de mais uma “mudança de paradigma”, não há método melhor do que recuperar a velha inquirição humana, directa, em vez de se pensar que é necessário desenvolver uma IA específica para verificar se foi usada IA numa qualquer produção de texto, imagem ou o que seja.

O problema é que da própria parte de alguns docentes, no desejo de se mostrarem hiper-modernos, associado à tentação de poupar trabalho e tempo, há a sedução por usar cada vez mais ferramentas automatizadas para se relacionarem com os alunos e os avaliarem, desumanizando o processo educativo e, pelo caminho, atraiçoando-o no que sempre foi nele mais essencial.

No fundo, o que está em causa é se os humanos estão no caminho de prescindir do uso e desenvolvimento das suas próprias capacidades, limitando-se a entregar o “trabalho” a programas cada vez mais complexos e difíceis de controlar, cujo funcionamento os próprios criadores deixaram de compreender, como com o programa AlphaZero e as suas estratégias de jogar xadrez ou com o programa usado por investigadores do MIT que levou à descoberta de um novo antibiótico (halicina) em tempo recorde (Jo Marchant, “Powerful antibiotics discovered using AI”, Nature, online desde 20 de Fevereiro de 2020).

Em termos mais quotidianos, até que ponto se vai deixar a sistemas automáticos a tradução de textos, a condução ou mesmo a lista semanal de compras a fazer. No limite, até que ponto estamos a prescindir do avanço do conhecimento especificamente “humano”?

“Quando um programa de software concebido por humanos e que persegue um objectivo determinado por humanos (…) aprende e aplica um modelo que nenhum humano reconhece ou consegue compreender, estaremos a avançar para o conhecimento? Ou será o conhecimento que se afasta de nós?” (Kissinger, Schmidt e Huttenclocher, 2023, p. 23)

Até que ponto vamos desistir de perceber como as coisas acontecem e são feitas, contrariando tudo o que significou o avanço do conhecimento humano?

“Os grandes modelos de linguagem [LLM] podem fazer coisas espantosas. Mas ninguém sabe exatamente porquê. E isso é um problema. Descobrir isso é um dos maiores enigmas científicos do nosso tempo e um passo crucial para controlar futuros modelos mais poderosos.” (Will Heaven, MIT Techonology Review, online desde 24 de Março de 2024)

Toda uma outra forma de artificialidade, numa escala muito mais comezinha, quiçá simplória, que se foi disseminando pela nossa Educação não-superior de um modo daninho para o trabalho quotidiano entre professores e alunos relaciona-se com o aparato decorrente do chamado “projecto MAIA” e do rebuscado formalismo associado ao que, de forma algo pomposa, se tem designado como “feedback de elevada qualidade”.

Por muito que alguns responsáveis afirmem o contrário, a realidade é que a sua implementação nas escolas, na pretensão de uma hiper-objectividade na avaliação desdobrada em múltiplas rubricas e critérios, se traduziu numa pletora de grelhas de registo, verificação e monitorização que correspondem a uma outra forma de desumanização do ensino, através do uso de desnecessárias mediações em algo que os professores longamente praticaram – e felizmente ainda praticam – e que foi a comunicação directa aos alunos do que fizeram mal ou bem. Sem necessidade de múltiplos registos burocratizados e parametrizados, resultantes da desconfiança no trabalho dos docentes. Num trabalho que perde sempre, quando se afasta do elemento humano. Da Educação como criação da Humanidade.

Também Vai Ser Revogado?

À atenção do ME(CI), da FNE e do SIPE,

Em comunicado, a FNAM explica que esta aceleração das carreiras deveria estar a ser aplicada desde o início do ano e que algumas entidades “não se comprometem a rectificar o problema antes do verão”.

5ª Feira

Em tempos que já lá vão – leia-se pré-“reitora” e seu mentor “engenheiro” – os professores tinham direito a faltar alguns dias por ano para participar em colóquios, seminários, debates, relacionados com Educação, mas em especial com a sua área disciplinar. Servia isso para aprofundar conhecimentos, partilhar ideias e apresentar o seu próprio trabalho de pesquisa. Era verdadeira “formação” no sentido do termo que vai para além do afunilamento que agora se vive, forçando as pessoas a frequentar, em regime pós-laboral, acções ditadas por conveniências políticas e, em muitos casos, pelas miopias pseudo-intelectuais de algumas capelinhas formadoras.

Agora, chegando a Maio, já não tenho forma de meter um dia de 102 para poder assistir e participar, conforme de início esperava, nem que seja numa das sessões do Seminário Internacional – I Congresso Feminista e de Educação, cem anos depois, no qual me inscrevi com comunicação (afinal, foi por estas águas que andei muitos anos).

Embora me tenham colocado num horário que, no limite, me permitiria chegar a Lisboa, metendo apenas um tempo de falta (a minha última aula termina às 17.10), se acelerasse e tivesse sorte no trânsito, a verdade é que depois de um dia com sete tempos lectivos, a energia escasseia e se acaba por pensar que não dá. Felizmente, a organização teve a simpatia de fazer a proposta de ser lida a comunicação e apresentados os dados da mini-pesquisa feita sobre a presença femina na Educação, não apenas nas salas de aula, mas também nas organizações representativas dos professores, nos órgão de gestão escolar e ao nível da decisão política.

Obrigado, portanto e desde já, à Natividade Monteiro, pela sugestão e pelo incentivo a não desistir da apresentação que, por uma vez, tem um texto de base para ser lido, já que, por regra, sendo eu, costuma ser de relativo improviso a partir dos elementos projectados. Havendo actas ou não, farei a junção de textos, referências e quadros para futura divulgação. Até porque algumas evidências são curiosas e o processo de recolha dos dados deu o seu habitual gozo.