Apostilha Ao Texto Mais Abaixo

Por causa da divertida reacção do José Eduardo Lemos que, entre outras coisas escreveu que:

Não sei se o Governo as acolherá no Plano de Emergência para a Educação, mas sei que não resolvem – nem para lá caminham – o urgente problema da falta de professores nas escolas, muito menos de professores de qualidade, como ele gostaria.

São medidas bem vistas pela classe, mas insuficientes para um plano de emergência. Se o plano for de emergência, vai ter de doer mais. E, claro, a “disciplina” de Cidadania e Desenvolvimento que, para além das polémicas, de pouco serve, deveria ser suprimida já no próximo ano.

A este respeito duas notas:

A primeira, acerca da expressão “vai ter de doer mais”. Mas doer a quem? Não quero acreditar que a ideia seja a defazer “doer mais” a quem já está pronto para se ir embora com as condições actuais. Porque doer a quem seria justo – quem deixou a situação chegar a este ponto – já sabemos que não vai acontecer, muito menos aos nulos ou sonsos woke que se foram, mais os troikeiros e “engenheiros” que os antecederam. Ou ao pessoal que, “representando as escolas”, se mantiveram muito silenciosos ou pouco “impactantes” nestas matérias. Ou que se limita a defender o aumento de alunos por turma…

A segunda sobre a questão dos “professores de qualidade” que ele acha que o que proponho não asseguraria. Recorde-se que eu apenas defendo melhores condições para quem entra e quem está. Que para o director José Eduardo Lemos aparentemente não são de “qualidade”. Como lhe recordei que nem fui ao ponto de propor uma reformulação do crédito horário dos dirigentes escolares (não apenas director@s) de modo a que fossem dar umas aulas, ele respondeu-me, com aquele humor fino que suponho ser o que está na base desta passagem que deixou num comentário, que:

Não vejo qq problema se os “dirigentes”, (penso que se referem aos diret@res), forem chamados a dar umas horas de aulas. Afinal, sabem do ofício. Provavelmente melhor que muitos não dirigentes. É chamá-los e pagar-lhes, claro.

Antes de mais, sei que seria uma crueldade fazer regressar às aulas quem delas há tanto se afastou e tanto tem feito para não voltar (assim como quem em cargos directivos fica apenas com uma duas turmas como recordação das origens), mas há que reconhecer que de tanto terem feito “poupança” na sua sabedoria pedagógica e demonstrado excelência na burocratização do ensino, haverá director@s que seria muito divertido ver a dar uma dezena de horas de aulas por semana.

Pagando-lhes, claro, que este pessoal gosta de boas condições materiais de trabalho. Se calhar, até deixariam de sugerir o aumento de alunos por turma. Ou aplicariam as regras sobre indisciplina com o rigor que agora escapa a muit@s.

E eu até sugiro uma proposta a fazer ao ME(CI): em troca de um regime de excepção para ficarem mais um ou dois mandatos no poleiro, com aumento do suplemento remuneratório que andam a pedir há c’anos, apresentem-se disponíveis para voltar a dar aulas. Com mais de 800 director@s pelo país, conseguir-se-iam uns largos milhares de horas que seriam do máximo “interesse dos alunos” (até por serem leccionadas pelo que de melhor a docência já teve). E com mais outr@s tant@s subdirector@s e o dobro ou triplo d@s adjunt@s., é coisa para se conseguirem mesmo umas 30.000 horas semanais adicionais… assim num cálculo feito com o lápis atrás da orelha, que nem fui procurar o outro post que escrevi sobre isto há uns mees. Olhem que é coisa equivalente a perto de 1500 horários completos.

Repito que até estava a ser simpático, talvez mesmo empático, com as enormes dificuldades que a gestão escolar levanta. Mas… já que o Conselho de Escolas nunca se chegou à frente com tão solidária proposta no “interesse dos alunos”, fica aqui a minha sugestão.

Mesmo sem isso, que normativo ou alínea impede um@ director@ de continuar a desfrutar do cheiro quotidiano da sala de aula. Há quem o faça, que eu sei e não lhe caíram parentes ou pergaminhos na lama.

Ahhh… não vale a pena dizer que eu estou mais uma vez a tratar mal @s director@s, com acrimónia, má língua e tal, naquela ladaínha gémea dos mentideros costistas, porque só escrevi isto em resposta à tal reacção que no fundo se resume a “acabem com a Cidadania e os apoios e metam mais alunos nas turmas”.

Adenda para refrescar memórias, a quem talvez tenha feito muita formação na Universidade da Farinha Amparo.

DL 137/2012, artigo 26:

5 – O diretor está isento de horário de trabalho, não lhe sendo, por isso, devida qualquer remuneração por trabalho prestado fora do período normal de trabalho.

6 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o diretor está obrigado ao cumprimento do período normal de trabalho, assim como do dever geral de assiduidade.

7 – O diretor está dispensado da prestação de serviço letivo, sem prejuízo de, por sua iniciativa, o poder prestar na disciplina ou área curricular para a qual possua qualificação profissional.

Despacho Normativo n.º 10-B/2018:

Artigo 4.º

Crédito horário para o desempenho dos cargos de subdiretor, adjunto e coordenador de estabelecimento

1 – Para o exercício dos cargos de subdiretor, adjunto e coordenador de estabelecimento é atribuído um crédito de horas específico calculado de acordo com o número de alunos, nos seguintes termos:

(ver documento original)

2 – Compete ao diretor proceder à distribuição do crédito de horas, salvaguardando um mínimo de atividades letivas a distribuir ao subdiretor, aos adjuntos e ao coordenador de estabelecimento, no caso de ser educador ou docente do 1.º ciclo do ensino básico, de forma a viabilizar a avaliação do desempenho.

3 – As horas apuradas para a coordenação de estabelecimento são geridas de um modo global e atribuídas pelo diretor tendo em conta a especificidade do trabalho a desenvolver nas diferentes escolas do agrupamento.

4 – As horas deste crédito horário, eventualmente não utilizadas, podem acrescer ao resultado da fórmula de crédito horário prevista no artigo 9.º

5ª Feira

O plano de emergência para a Saúde tem muitas medidas (várias dezenas) que, pelo que dizem, ou se limitam a prolongar outras que já existiram ou as reformulam, sendo escassas as novidades, excepção feita à parte da extebsão aos privados de certas atribuições e serviços do SNS. Porventura, metade ou menos das medidas conseguiriam o mesmo resultado, até por muitas são meras intenções e não necessariamente medidas concretas, com eficácia garantida.

Para a Educação, é capaz de aparecer coisa semelhante com dezenas de medidas (numa converssa há dias, alguém me dizia que estavam 32 em discussão ou algo semelhante), parecendo não se entender que já no passado se ensaiaram grandes planos ao nível das formulações retóricas, sem especial impacto na realidade, seja porque muitas são ineficazes, outras são redundantes e aqueloutras se vão diluindo depois de um primeiro impacto.

Se tivermos a frontalidade e coragem para admitir que o principal interesse dos alunos é ter professores competentes, que lhes assegurem aulas onde aconteça algo de relevante para que aprendam algo de útil (sendo que por “útil” eu não entendo o que os própios alunos acham “giro”, “interessante” ou “não aborrecido”), as medidas a tomar concentram-se em três áreas relativas ao recrutamento e retenção dos professores em exercício. De pouco adiantará fazer um novo remendo curricular para reduzir horas de aulas e assim dar a sensação que existem menos por dar. Por exemplo, por muito que eu ache redundante a Cidadania e Desenvolvimento como disciplina autónomoa, eliminá-la sem “devolver” as horas retiradas a outras disciplinas, não passará de cosmética.

Vamos lá, de forma breve e já sei que deixando muita coisa de parte, reforçando que o essencial passa pelo que se podem designar por “condições de trabalho” e não apenas pelas questões salariais directas, como vou tentar explicar.

Recrutamento: de pouco adianta elevar um pouco a remuneração dos novos professores, em particular os contratados, se continuarem as medidas restritivas em relação ao completamento dos seus horários. Seré que compensa atribuir mais uma centena de euros no salário se as pessoas forem obrigadas a circular entre 2 ou 3 escolas para terem o salário completo? Tenho colegas que fazem uma parte do seu horário na margem e outra em Lisboa. Os gastos em deslocações e a perturbação no tempo usado a fazê-las levam-lhes parte significativa do salário, sempre que vão substituir alguém de baixa ou que se reformou com 14 ou 16 horas lectivas. Seria muito mais eficaz que quem vem substituir alguém com “horário completo” receba o seu salário como “completo”, mesmo que não seja com as 22 horas lectivas, ficando até disponível para futuras necessidades temporárias que venham a ocorrer na escola, até porque essas necessidades ocorrem quase sempre. Ou preenchendo o horário, durante mais ou menos tempo, com tarefas consideradas não-lectivas que agoram ficam quase sempre adstritas a quem tem a redução do artigo 79º. Quando se fala em “estabilidade” é com isto que nos deveríamos preocupar, em vez de obrigar as pessoas a andar numa roda-viva de escola em escola e, quantas vezes, a ter de mudar de escola(s) ao fim de 2-3 meses.

Retenção: como conseguir que os professores se mantenham a dar aulas, sem tantos problemas de saúde, ou como conseguir que aceitem dar aulas extra, quando estão em condições para o fazer, mas isso apenas implica trabalho adicional sem uma remuneração que o compense? Claro que a resposta mais natural será a melhoria do pagamento dessas horas- extra, mas mesmo isso pode não ser eficaz. Mas há outras medidas que podem ajudar a que esse trabalho extra não seja visto como insuportável e incomportável. Uma delas passaria pela possibilidade de, sem eliminar a compensação pelas horas-extra, acrescentar-lhe a dispensa de tarefas não lectivas, umas redundantes e desnecessárias, outras que podem ser asseguradas pelos novos professores com o tal horário ainda não totalmente completo. Mesmo assim, acho que serão muit@s @s professores que terão reservas em acrescentar mais horas, turmas e alunos aos que já têm, em especial com toda a burocracia agora associada à docência.

O mesmo para os professores em fim de carreira que só em casos excepcionais pensarão em prolongá-la, pois a ansiedade é em sair. Sair porquê? Porque as condições do seu exercício são cada vez mais penosas e quem pensa o contrário ou papagueia disparates sobre as exigência do trabalho com crianças e jovens, quando já se vai com os sessenta alongados (ou mesmo menos que isso), deveria experimentar na pele o que critica. Reter professores para além da idade da aposentação ou impedir que saiam mais cedo, só pode acontecer – fora de algumas mentes alucinadas por “leis do mercado” que falharam por completo ao proletarizarem e burocratizarem a docência – com uma melhoria clara do exercício da profissão, não sendo qualquer eventual 11.º escalão a resposta decisiva para isso. É necessário perceber que o desgaste profissional elevadíssimo e muito precária a saúde física, mas em especial mental de muit@s docentes.Ter ignorado e não acautelado isso nos últimos 15 anos deu um péssimo resultado. Falo por mim que sinto muito mais vontade em encurtar vários anos a minha “estadia” nestas condições do que em a prolongar um trimestre que seja. Até porque adiante pouco prometerem um escalão que vai quase todo para o fisco.

Nada do que escrevi é solução mágica para o problema que temos. Mas pode ajudar a não encobrir a realidade que temos e à qual chegámos exactamente por se ter ngovernado de forma incompetente, preconceituosa, demagógica e populista. Porque o “interesse do país” ou o “interesse dos alunos” não passam pela degradação do estatuto profissional, material e simpólico da classe docente. E muito menos são defendidos com truques de curto prazo, tentando levar para as escolas quem delas sempre quis distância e escassa competência tem para ensinar seja quem for. Muito menos sem quem esteja em condições de os acolher e enquadrar. Foi a mesquinhez de carácter, a par de poupanças à tio patinhas que acabaram por lixar tudo.