Os “Rótulos”

Há pessoas com tão firmes convicções que as mudam a cada “formação” a que assistem, para ver se camaleonam melhor a pele aos tempos. Nada como ouvir quem há um ano dizia cobras, lagartos e osgas de alguns alunos, com adjectivações coloridas e muito inclusivas na perspectiva vocabular, a jurar a pés juntos que a pior coisas que se pode fazer a um aluno é “rotulá-lo”. Não é que discorde da ideia na origem e formulação ideal, mas arrepia-me o seu uso de forma acrítica para justificar preguiças diversas e tudo menos inclusão. Porque o pior que pode acontecer a um aluno é ele ter um problema e, para não o “rotular”, ficarmos sem saber características suas importantes e, como consequência directa, como lidar com essa situação.

No império do politicamente correcto, o Camões podia ser “poeta”, mas nuca “zarolho”. Aceita-se Beethoven como “músico”, mas não como “surdo””. Mozart como “génio” mas ai-jesus se levantarmos suspeitas sobre um possível distúrbio como o síndrome de Asperger. Por exemplo, a recentemente famosa Greta Thunberg poderá ser “ecologista” mas que se livrem aqueles que refiram o seu diagnóstico de TDAH ou de Asperger sobre a qual a própria falou sem complexos (coloquem legendas), em mais de uma ocasião.

Os “rótulos” são maus, diz-se que “reduzem” as pessoas e as estigmatizam, que são factores de “exclusão”. Mas só são “rótulos”, de um ponto de vista negativo, de acordo com a forma como agimos em relação ao que são características das pessoas. Continuo sem perceber como se pode ter “o direito à diferença” se ocultarmos essa diferença. Não entendo que as mesmas pessoas – algumas nem isso, porque lhe falta a elasticidade mental – que se dizem defensoras dos direitos das pessoas lbgtq+ assumirem a sua identidade específica, se depois querem ocultar outras situações, que podem ser tão ou mais complicadas no quotidiano, com base no argumento da “rotulagem”.

Acho que quem fala em “rótulos” é que, em muitos casos, tem a cabeça cheia de preconceitos. Eu sou míope, ponto final e esse é um facto que não adianta ocultar, em especial se, quando aluno, tivesse partido os óculos a jogar à bola e insistissem em deixar-me na última fila da sala. Sim, também sou “gordo” e isso não me incomoda como “rótulo”, a menos que quem assim me trate acrescente observações abusivas do ponto de vista “moral” ou “ético” quanto a este ou aquele estilo de vida.

Porque caracterizar de forma adequada e rigorosa um@ alun@, com base num diagnóstico competente, não é apoucá-l@. É permitir que @ conheçamos e estejamos melhor equipados para lidar com a sua circunstância particular e com a sua individualidade.

É pena que exista quem da “inclusão” só recolha os tiques de linguagem.

bacalhau-narcisa

(por exemplo, o bacalhau tem 1001 rótulos e vive bem com isso… e até ajuda quando estamos a consultar a ementa…)

4 opiniões sobre “Os “Rótulos”

  1. Olá Paulo, a propósito da “rotulagem” em Março escrevi no Atenta Inquietude, “… Os processos de avaliação, não, não é rotulagem, é avaliação de eventuais dificuldades que se reflictam na aprendizagem, na “ensinagem” ou no comportamento e que deve ser rigoroso e competente para que a planificação não se traduza num “objectivo” como “melhorar competências de leitura” constante num RTP (agora já não existe PEI) de uma criança de 7 anos a frequentar o 1º ciclo como se qualquer criança a frequentar o 1º ciclo não deva “melhorar competências de leitura”. Acontece que pela forma como foi colocado em prática, pelas dificuldades de recursos, pelos equívocos decorrentes do banho de doutrina no 54/2018 que nem o Manual de Apoio (era mesmo preciso chamar “manual” a orientações para intervenção em educação inclusiva?) esclarece, este processo de avaliação pelas equipas multidisciplinares decorre com inúmeros sobressaltos em muitas escolas. Um dos grandes avanços anunciados (no 54/2018) era o fim da categorização, deixamos de ter crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Quando leio referências aos “universais”, aos “adicionais” ou aos “selectivos” já não se trata de um processo de categorização pela dificuldade identificada mas realizado pela resposta desenhada. Isto sim, é uma mudança de paradigma.
    A ver se nos entendemos, identificar de forma competente a natureza de eventuais dificuldades não é um processo de “rotulagem”, só o será se daí decorrer discriminação negativa ou “guetização” e não a adequação da resposta educativa. E deste ponto de vista o 54/2018 não garante nada pois coexistem ambas as situações. …”
    https://atentainquietude.blogspot.com/2019/03/noticias-da-educacao-inclusiva.html
    Os riscos de tanta inovação são grandes.

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  2. Concordo em absoluto com tudo aquilo que o Paulo escreveu neste post.
    Caracterizar de forma competente ( competente !!!) um aluno nada tem a ver com rótulos ou descriminação. Será sim uma forma de o ajudar .
    Desde que caracterizado de forma competente ,por alguém tb competente … não tipo ” trabalhinhos da escola de alguns professores e psicólogos ” , sem unhas para tocar viola.

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