Este Mês, No JL/Educação

Sem recurso à IA ou ao ChatGBT, como se nota, tantas vezes, pela minha crescente disortografia digital.

Ainda não consegui achar cópia em papel, que a distribuição cada vez anda mais fraca. Parece que enviei com redundância na citação inicial, provando o que acima afirmo, mas que aqui já corrigi.

O preço é muito alto

Atribui-se a Benjamin Franklin o aforismo, retomado por muita gente, que diz algo como “se a educação é cara, experimentem o preço da ignorância”. A sua aplicação é variada, mas poderíamos pensar que teve uma demonstração bastante evidente nas eleições do passado dia 10 de Março.

Já a Aristóteles deve-se outra citação muito glosada: “as raízes da educação são amargas, mas os seus frutos são doces”. São lugares-comuns, frases feitas, havendo para todos os gostos, um pouco como os ditos populares e provérbios, que podemos encontrar a dizer algo e o seu contrário. Mas, apesar disso, tal como nos provérbios, existe nessas frases um pouco mais do que apenas um aforismo sem substância.

É bem verdade que a ignorância pode servir para uma poupança imediata, mas só serve a quem quer uma população domesticada, por falta das ferramentas intelectuais para se emancipar de forma mais rápida e eficaz, assim como uma Educação instrumentalizada pode condicionar o pensamento das novas gerações, tornando-as mais dóceis à manipulação. O que nem sempre se consegue prever é que os custos da falta de conhecimento ou de uma Educação truncada podem ser devastadores a médio ou longo prazo.

Entre nós, embora num movimento partilhado com outras sociedades ocidentais que confundem a “modernização” e a “tolerância” com o desprezo pela herança cultural da Humanidade e gostam de a relativizar, acusando-a de ser eurocêntrica, começam a notar-se as consequências dramáticas de um conjunto de políticas educativas que menorizam o Conhecimento, nomeadamente as Humanidades, em favor de um saber tecnológico meramente instrumental.

Não adianta fazerem-se declarações pomposas em preâmbulos de decretos, “referenciais” ou mesmo “perfis”, se depois se substitui a Filosofia pela Educação Rodoviária ou a História pelo Empreendedorismo nos anos de formação dos futuros cidadãos. Se são minguadas as horas para as Ciências, enquanto se considera que deve ser reservado um crescente tempo para temas de relevância circunstancial; quando em vez de se investir em laboratórios para o ensino experimental, se acha que devem ser aplicadas verbas em bicicletas, sem que existam pistas para as usar nas escolas.

A menorização do pensamento abstrato e da capacidade de reflexão sobre temas com alcance universal, em favor do “concreto” e do “local”, reduzem de um modo crítico a capacidade dos cidadãos em formação, dos futuros eleitores, e cortam-lhes os horizontes, em especial dos que menos capital (económico e cultural) têm para escapar ao espartilho de uma Educação (Pública) reduzida ao “essencial” e mascarada com um “sucesso” de fachada.

O meu colega Paulo Prudêncio, em texto divulgado no Público em 28 de Dezembro de 2023 (“E eis que se apresentam os novos eleitores”), fez a análise da ligação entre a ascensão dos fenómenos populistas de extrema-direita e um eleitorado jovem, criado e educado num contexto que eu classificaria de desinvestimento no Conhecimento e de “Deseducação”. Ou de “descerebração programada” nas palavras de Jean-Noël Robert (De L’Ecole Ou La Deseducation Nationale, 2017).

Passo a citar, de forma extensa, o texto do Paulo Prudêncio:

“ (…) os novos eleitores portugueses não cresceram apenas num clima escolar autocrático e extractivo. A própria sociedade viveu tragédias bélicas, climáticas e migratórias e crises políticas, económicas, pandémicas e inflacionárias. E enquanto o mundo do trabalho associava à instabilidade profissional e financeira a sociedade do cansaço, a política mainstream tudo fazia para se descredibilizar.

Por outro lado, os jovens habitam um ambiente digital com as categorias integradas – socialização, informação, entretenimento, politização e influenciadores – expostas à falta de esperança, que é, depois, usada na gramática eleitoral. O voto dos jovens na extrema-direita será também um protesto, mas com o risco de se entranhar como uma convicção.

Em suma, vive-se uma encruzilhada dramática devido a anos de interrupção da pedagogia democrática; e teima-se nos erros. Do ponto de vista educativo, recupere-se a escola da democracia, da razão e da ciência.”

A este diagnóstico eu acrescentaria as já referidas tendências transnacionais que se instalaram na governação da Educação e que combinaram a erosão do modelo democrático de funcionamento das escolas a um currículo esquelético e no qual disciplinas essenciais para a formação dos futuros cidadãos eleitores foram secundarizadas, amputando-se de forma drástica os seus conteúdos.

Nas eleições de 10 de Março, verificou-se como a amputação da Memória Colectiva e a degradação da transmissão geracional do Conhecimento sobre o passado, mais ou menos recente podem ter efeitos desastrosos.

De acordo com um estudo coordenado por Pedro Magalhães, o eleitorado do partido Chega é o que apresenta o nível mais baixo de frequência universitária (22%, contra 28% do PS e 29% da CDU) e o terceiro com maior peso de eleitores que não completaram o Ensino Secundário (24%, contra 32% da CDU e 35% do PS). O que significa que é, de longe, aquele que tem na sua composição mais votantes apenas com o Ensino Secundário (55%), muito acima do PAN (47%), da CDU (39%) ou da Iniciativa Liberal (38%).

Se cruzarmos isso com o perfil etário dos eleitores, podemos concluir que o eleitorado jovem, apenas com estudos secundários, é mais permeável do que o mais velho à atracção pelo voto numa organização política com fortes elementos securitários, de xenofobia, intolerância cultural e radicalismo político, para não estender mais a caracterização.

O mesmo investigador já alertava, na sequência do seu estudo Bases sociais das intenções de voto em 2023, em declarações ao Diário de Notícias (“Jovens eleitores oscilam entre a “atração pelo abismo” e a abstenção”, 18 de Janeiro de 2024) para este fenómeno, sugerindo que “a probabilidade de tencionar votar Chega diminui com a idade” e explicando que isso poderá dever-se ao facto dos mais jovens “não terem desenvolvido ideologias e afinidades psicológicas com os partidos existentes, estando mais disponíveis para optar por partidos de origem mais recente, novos, tais como os da direita radical”.

Fonte: https://www.pedro-magalhaes.org/bases-sociais-2023/

Para além da idade, a intenção de voto também se relaciona “com o facto de viverem em situações económicas mais desfavoráveis e incertas do que as anteriores gerações, com grande competição pela entrada no mercado de trabalho, que os faria tomar opções que expressam descontentamento e insatisfação com o status quo”.

Ainda de acordo com o estudo de Pedro Magalhães, o peso dos “jovens” (18-34 anos) nos votantes no Chega é bem menor do que no Livre ou IL (32% contra 44% ou 49%, respectivamente), mas não sabemos ainda como é a proporção entre o segmento dos 18 aos 25 anos, por exemplo. O que significa que jovens, pouco escolarizados, em contextos desfavorecidos tendem a optar pelo voto de protesto numa Direita radical populista, enquanto outras gerações o canalizavam para partidos da Esquerda tradicional, como o PCP, ou que jovens com maior escolarização encaminham, à esquerda, para o Livre (64% de eleitores com estudos universitários) ou, à direita, para a IL (56% com o ensino superior).

Estas tendências entre os jovens eleitores representam o fracasso de uma Educação que se pretende promotora da tolerância, do respeito pela diferença e pela solidariedade, em certa medida porque o esvaziamento curricular de matérias tidas como “arcaicas” (o desaparecimento quase total do confronto entre a democracia ateniense e a oligarquia espartana, assim como da fase republicana da Roma Antiga), deixa os jovens sem ferramentas intelectuais para compreenderem melhor as opções políticas que lhes são apresentadas no imediato, em especial quando o presente se percepciona como ameaçador. O mesmo se diga da forma passageira como agora se aborda o confronto entre ditaduras e democracias no século XX.

A afirmação de uma “Escola/Educação Inclusiva” tem sido uma narrativa retórica e legislativa, porque às práticas indispensáveis para a sua implementação em profundidade têm faltado os meios que têm sobrado em pretensas “formações” sobre o tema. De igual modo, de pouco adianta falar numa Educação para a Democracia, se o funcionamento da instituição escolar é a sua negação e os alunos percebem todos os dias o desrespeito dos políticos para com os seus professores e a relativização da noção de mérito e de responsabilização pelo próprio desempenho.

Sim, o preço da ignorância pode ser muito elevado. E a conta já chegou.

O Preço A Pagar Pelo Horror Ao Esforço (E A Outras Coisas, Claro)

Descobertos mais de 100 artigos académicos escritos pelo ChatGPT. O que os denunciou e como foram aceites por revistas científicas

(…) O mundo científico britânico está a enfrentar um escândalo devido à descoberta de mais de 100 artigos publicados em revistas académicas que aparentam ter sido escritos com auxílio do ChatGPT. A denúncia foi feita num relatório do 404 Media, uma publicação dedicada a tecnologia, e agora os cientistas receiam que conteúdos com pouca qualidade estejam a infiltrar-se no meio académico, o que pode prejudicar a confiança do público.

O pior mesmo é que se tivessem tido o cuidado, muito mínimo, de adaptar uma só frase, tudo teria escapado.

O relatório da 404 Media diz que uma pesquisa pela frase “A partir da minha última atualização”, muito comum nas respostas do ChatGPT, detetou 115 artigos no Google Scholar, uma ferramenta que agrega material académico de diferentes fontes e até de disciplinas de estudo. Uma análise à data de publicação dos textos confirma que os dados expostos correspondem às atualizações reais de atualização desta ferramenta de Inteligência Artificial.

Sábado

É muito pedido…

Quanto ao pedido do Ricardo é daqueles que muitagente faz, mas sem grande possibilidade de sucesso, até porque já se viu, ao fim de uns 15 anos, que este modelo unipessoal satisfaz bem quem tem da organização escolar uma concepção do tipo “militar” na base do “eu mando por posso, tu fazes, porque não riscas nada”.

E como os “velhos” estão de partida – ou já partiram – nada como precarizar os que chegam, enquanto os “novos” nem sequer sabem do que se fala, quando falamos num outro modelo de gestão escolar, aquele que permitiu a democratização do ensino e melhorar as coisas, quando tudo estabilizou dos anos 90 em diante e não este, que é difícil negar que está associado à degradação dos resuitados dos alunos, por muito que isso lhes custe ouvir ou ler.

17 pedidos urgentes a Montenegro para mudar Portugal já

(…) Educação. “Gestão autocrática que se vive hoje não está a fazer bem à escola”

Ricardo Silva, professor e coordenador da Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino (APEDE)