2 opiniões sobre “2ª Feira

  1. — Se Alemanha construir a canalização de Sines até Espanha, ofereço-me para fornecer o gás — prometia o Dorme-em-pé após soltar ruidosamente o excesso de gás da imperial que ingurgitara de um só golo. — De qualquer modo, os teutões só querem os gasodutos para produzir cerveja. Plantaram-se aqueles canos todos até à Rússia e agora arranjaram maneira de os russos os desimpedirem.
    — Talvez pudéssemos, quando não for preciso mandar gás, usar os canos para fazer vir água do mar até Traseiras de Judas. Se separássemos aqui o sal da água, ficava resolvido o problema da lavoura.
    — Não me parece mal pensado— comentou o Coxa. — O compadre Morgado saberá no entanto que, embora esse processo seja viável, a dessalinização ainda sai cara.
    — Podíamos usar a água do mar para salgar as chouriças e depois aproveitar a água escorrida para a rega — alvitrou a pragmática Casimira antes que alguém registasse a patente da osmose pervertida.
    — Pois é verdade que, ao preço a que fica manter uma arca congeladora ligada, teremos que voltar à salga para guardar a comida —, suspirou o dono da venda.
    — Eu quero saber é como me arranjo para aquecer os pés neste inverno, que a pensão não me chega para pagar rendas às companhias da electricidade.
    O Dorme-em-pé, que já emborcara a terceira imperial e cujo cérebro pouco renovável começava a turbinar a gás, prontificou-se a ajudar a velha e friorenta Ermelinda a qual, mesmo em pleno verão, não dispensava o gorro de lã:
    — Ó Linda, o que resolvia isso era se mudassem os incendiários para o horário de inverno. Assim passávamos a ter aquecimento global no país todo quando faz frio.
    O Coxa tirara a boina e coçava a careca pensativamente, os olhos fixos no chão de tabuado.
    — São tudo boas ideias, claro está, mas, para pagar as obras do telhado da escola, precisaremos de arranjar uma verba adicional antes que venha a chuva.
    — Não se pode impor uma taxa especial sobre as vendas de aguardente? — interrompeu o cura olhando inocentemente para o Morgado.
    — Ou aumentar o IVA das hóstias — altercou prontamente o agricultor.
    — Não vale a pena desavirem-se, meninos — atalhou a velhota Letras Mal-Pagas, a eternamente endividada mestra cuja reforma pulava para a frente sem se nunca se dar por alcançada. — A chuva fez-se mais rara que os baptizados em Traseiras. Poupa-se no telhado da escola e aposenta-se antes a professora, não vá dar-se o caso destes pobres ossos se esparramem a meio de alguma lição.
    — Sendo assim, parece-me que já estão pensados todos os assuntos da ordem de trabalhos e podemos encerrar a reunião — pontuou o Coxa preparando-se para servir uma última rodada.
    — O compadre não está esquecido do assunto mais urgente deste reunião?
    O Coxa suspendeu o enchimento do segundo copo e olhou interrogadoramente para o Mija-na-Horta.
    — Pois lembra bem o compadre! Já se me varria da lembrança o assunto do turismo. Como presidente da junta, cabe-me consultar os fregueses e arranjar um plano que ponha Traseiras no topo da lista de destinos turísticos do país.
    — Amigo Coxa, parece-me que os turistas que procuram Traseiras a escolhem porque, justamente, não vem em qualquer lista — contrariou o Morgado temendo que a notoriedade da terra pudesse atrair plantadores de oliveira espanhola e de estufas.
    — O compadre não se preocupe porque o turismo que eu tenho em mente só nos incomodará alguns dias em agosto. Com a planície desocupada e o clima mais fiável do país, penso que poderemos atrair para aqui os rebanhos de políticos que nesta altura do ano fazem a sua transumância. Os partidos falidos podem fazer aqui a retoma das atividades de uma forma bastante económica, libertando o sobrelotado litoral algarvio para os turistas estrangeiros com maior capacidade de endividamento.
    E todos pareceram entusiasmar-se com a ideia, em especial o padre que logo imaginou a quantidade de confissões necessárias para uma clientela tão carecida de absolvição.

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  2. 1
    — Se Alemanha construir a canalização de Sines até Espanha, ofereço-me para fornecer o gás — prometia o Dorme-em-pé após soltar ruidosamente o excesso de gás da imperial que ingurgitara de um só golo. — De qualquer modo, os teutões só querem os gasodutos para produzir cerveja. Plantaram-se aqueles canos todos até à Rússia e agora arranjaram maneira de os russos os desimpedirem.
    — Talvez pudéssemos, quando não for preciso mandar gás, usar os canos para fazer vir água do mar até Traseiras de Judas. Se separássemos aqui o sal da água, ficava resolvido o problema da lavoura.
    — Não me parece mal pensado— comentou o Coxa. — O compadre Morgado saberá no entanto que, embora esse processo seja viável, a dessalinização ainda sai cara.
    — Podíamos usar a água do mar para salgar as chouriças e depois aproveitar a água escorrida para a rega — alvitrou a pragmática Casimira antes que alguém registasse a patente da osmose pervertida.
    — Pois é verdade que, ao preço a que fica manter uma arca congeladora ligada, teremos que voltar à salga para guardar a comida —, suspirou o dono da venda.
    — Eu quero saber é como me arranjo para aquecer os pés neste inverno, que a pensão não me chega para pagar rendas às companhias da electricidade.
    O Dorme-em-pé, que já emborcara a terceira imperial e cujo cérebro pouco renovável começava a turbinar a gás, prontificou-se a ajudar a velha e friorenta Ermelinda a qual, mesmo em pleno verão, não dispensava o gorro de lã:
    — Ó Linda, o que resolvia isso era se mudassem os incendiários para o horário de inverno. Assim passávamos a ter aquecimento global no país todo quando faz frio.

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