Ler O Mundo

O encerramento das tribos políticas nas suas cápsulas ou bolhas, com um entrincheiramento que impede qualquer troca útil de ideias, com base em informação, reflexão e crítica, é algo que não é novo, mas se agravou muito nos últimos 15-20 anos. Há quem chame think tanks a grupos que se reunem para confirmar crenças e não para debater seja o que for. Os azuis discutem se o azul deve ser mais claro ou mais escuro, os castanhos, qual a gradação mais útil em cada momento e os amarelos, qual a luinosidade mais agradável para encher o olho do eleitorado, se possível encandeando-o.

Não começou tudo com a ideia da “central de comunicação” do tempo de Barroso/Portas ou sequer com a máquina comunicacional dos tempos socráticos, mas foi por meio da primeira década deste século que as coisas se dramatizaram e nunca mais inverteram a tendência. Ninguém lê quem lhe desagrada, preferindo apenas confirmações. O combate faz-se à pedrada retórica, sem atenção a uma desmontagem dos argumentos dos adversários.

Isto aconteceu ao mesmo tempo que muitas publicações passarama preferir imagens de meia página a textos que acham que aborrecem os leitores. Tudo fica muito pela rama, pelo superficial, sem contexto akém de umas citações dest@ ou daquel@. Passou a misturar-se o que é apenas opinião com base em pré-conceitos a opiniões devidamente informadas. E deu-se destaque a quem berra mais alto para as câmraas e microfones ou a quem “ajuda a vender”, escrevendo qualquer tipo de disparate.

Velho rato de biblioteca, continuo a gostar de ler e a tentar fazer alguma “arqueologia” do que passa por ser o “pensamento” de quem anda por aí e que é replicado por quem opta por mimetizar os tiques, sem sequer os tentar compreender.

Muito do que temos (não falo apenas na regressão intelectual na Educação para os anos 60-70 do século XX) não é novo ou “inovador”. É apenas coisa velha, mais ou menos envernizada, que pensar diferente e avançar não dá cliques. Talvez por isso, nem trago para aqui livros especialmente longos ou densos ou sequer muito distantes. Apenas o suficiente para se perceber que as primeiras décadas do século XXI marcan, de certo modo, o que alguns correctamente consideram o uma “idade do ressentimento”.

O livro de Mark Steyn (2006) é uma das bases para o que a actual direita radical tem espalhado pelos dois lados do Atlântico e Europa Central, só que escrito com humor. Lendo-o, percebe-se que foi por ali que passou a origem do trumpismo e derivados, de que o nosso Ventura é apenas um subproduto com escassa originalidade. Steyn, em toda a sua islamofobia, crítica à Ciência e à Esquerda Cultural, em especial nas questões da identidade de género, tem a vantagem de não acreditar na Terra plana, como outros gurus da nossa “nova direita” com pretensões de guerra cultural.

O livro do Tony Judt, produzido já em final de vida (2010), é uma espécie de contraponto, dando um contexto histórico e político ao afundamento da esquerda tradicional, à alegada falência da social democracia de matriz europeia e, em especial, escandinava, assim como ao crescimento das teorias liberais contrárias ao Estado Social com finnaciamento público. A leitura de um único capítulo vale mais do que assistir a dez discursos de qualquer das figuras comerias da nossa esquerda anquilosada. Judt é de um esquerda à esquerda da terceira via, mas de uma esquerda que ainda pensa(va) e não se limitava a repetir chavões.

Quanto ao do Fukuyama (já de 2018), que ao querer antecipar-se à História, acabou submerso por ela, consiste num recentramento da sua análise e na tentativa de compreender que mais do que qualquer “fim da História” se está a assistir ao ressurgimento dos fenómenos “identitários” (nacionais, sociais, culturais), renascidos na sequ~encia do ressentimento com as consequências da globalização, da tentativa de uma governação transnacional e do esvaziamento da política a favor de uma tecnocracia que contaminou grande parte dos actores políticos tradicionais, do centro-esquerda ao centro-direita. Como ele escreve. quase a finalizar, o “nosso mundo presente está simultaneamente a mover-se para as distopias opostas da hiper-centralização e da fragmentação”. E tenta explicar como isso se está a passar e porquê. Não explica tudo, mas ajuda, principalmente se tivermos em conta o seu posicionamento.

Claro que há muito mais leituras boas, mas vamos começando devagarinho.

Até porque o “ressentimento” contaminou quase por completo a lucidez da maioria de quem aparece por aí a clamar contra tudo o que não tenta sequer entender e a favor do que, quantas vezes, tem a cor da sua camisola.

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