Sinonímia

Querem agora que estabeleçamos perfis de aprendizagem para os alunos. Para mim, que sou muito básico nestas análises, a expressão “perfis de aprendizagem” corresponde, mais coisa, menos coisa, mais ou menos desdobramento dos descritores, por muito que alguns possam desmentir-me, ao que no mandato anterior (Crato) se chamava “metas curriculares” e que no mandato anterior ao anterior (Alçada) se chegou a apresentar com pompa como “metas de aprendizagem”. Quem veio a seguir, limitou-se a adaptar metade dessa designação inicial. Parece que na Direita se preferem metas (e conhecimentos) e na Esquerda se exaltam os perfis (e as competências).

Claro que poderemos encontrar diferenças mas, no fundo, tudo quer dizer “aquilo que um aluno deverá saber [fazer] de uma dada disciplina num determinado ano de escolaridade”. O que eu acho estranho é que existe quem desdenhasse das “metas curriculares” mas agora adores os “perfis de aprendizagem”. E vice-versa. E eu acho isto uma enorme hipocrisia porque a coisa em si é a mesma ou varia muito pouco e não justifica que se andem a reformular documentos e papeladas porque antes aquilo não prestava e agora presta (ou vice-versa, se e quando aplicável), só porque quem lhe deu o nome e mandou tem uma cor diferente.

Eu demonstro com exemplo adequadamente escatológico. Um belo cocó de vaca pode ser designado de diversas formas, desde detrito intestinal de gado vacum a excremento bovino, não esquecendo designações mais populares que fazem a delícia das crianças quando as descobrem (e que a mim, num dos casos, já deu origem a um processo judicial por ter feito uma analogia com o trabalho de um certo escriba). Mas continua a ser a mesma coisa. E não é por ser um trabalhador braçal pouco letrado ou um grande proprietário com ares cultos a dar-lhe o nome (não esquecendo a possibilidade de ser um erudito engenheiro agrónomo ou um zoólogo  a fazê-lo) que transforma o dito cocó num filet mignon, correcto?

Sim… nota-se que ando a desvincular um bocado, mas não se assustem ou amofinem. É apenas porque me chateia que o cheiro da coisa deixe de ser um terrível fedor para se tornar um perfil aromático.

Turd

As Origens do Tempo Presente – 1

Periodicamente, faço arrumações e mudo papéis velhos de sítio e revisito livros remetidos para a fila menos visível das estantes. Com uma regularidade assustadoramente maior a minha profissão é bombardeada com mudanças de rumo do ME em termos de palavreio e – alegadamente – de novos conceitos sobre novas formas de fazer as velhas coisas de sempre, mas melhor, claro. E progressivamente, fazer mais (sucesso) com menos (meios), mesmo quando se diz que é com o mesmo ou mais (comparem os créditos horários das vossas escolas e na maioria dos casos é capaz de vos passar umas quantas tontices… ou não, sei lá, há malta que apanha mocas mais demoradas do que o normal…).

Raramente o novo é mesmo novo, porque isto de inovar não está só no dizer, bem como criar não é bem como na natureza, sempre que a mamã e o papá (desculpem as terceiras vias e algumas militâncias bloquistas, mais a isabel moreira) estão em modo de.

Mas voltemos ao que interessa mesmo e deixemo-nos de passeios com este calor.

Há algum tempo que digo que a nova forma de estar da (ainda) nova equipa do ME não passa do requentar de um prato já servido várias vezes ao longo das décadas, sendo que nesse particular penso mais no SE João Costa do que no ministro em si ou na secretária Alexandra Leitão que destas coisas parecem perceber menos que o pouquinho indispensável para manter uma conversa sem ser apenas com lugares-comuns. Penso nos anos 90 (no final dos quais lá tive de fazer uma profissionalização tardia) e na parafernália editorial em que fomos mergulhados por via do IIE, mas também da Texto, da ASA e um pouco menos da Porto.

Só que essa geração foi discípula de uma outra, naturalmente anterior, que se emancipou intelectual e editorialmente nos anos 70 e (se) alimentou (de) uma colecção fundamental para a expansão das Ciências da Educação entre nós “Biblioteca do Educador Profissional” da Livros Horizonte. Colecção com excelentes livros, nacionais ou traduzidos, que muito ajudaram a compreender a Educação como um campo de estudos e a sua relação com a sociedade no  mundo ocidental do pós-guerra.

Foto3094As influências externas eram evidentes naquele período, muito inclinado para a esquerda, orto ou neo-marxista, e muitos desses livros também foram leitura bastante proveitosa.

Foto3095Tenho muitos desses volumes que li com prazer e ainda revisito como peças essenciais para a compreensão da História da nossa Educação. Ou mesmo da Sociologia Histórica da Educação.

Sei que já não reflectem o nosso tempo presente, porque ainda descrevem uma sociedade portuguesa ditatorial, bastante rural, com níveis baixíssimos de escolarização pós-primária, com uma proporção muito elevada de pais analfabetos, em que a grande preocupação era trazer os alunos pobres para a escola e lá os manter pelo menos seis anos, sem que optassem por ir trabalhar para o campo ou tentar uma cunha para entrar muito cedo numa das unidades industriais de então, por exemplo, da Grande Lisboa. São livros que revelam imenso sobre o contexto social português que está na origem da reforma de Veiga Simão e, no caso das referências externas, remetem para um mundo industrializado europeu muito assimétrico (no caso dos EUA marcado pelas divisões raciais) e em que a Escola era encarada como um mecanismo  que as classes dominantes usavam para enquadrar e domesticar o proletariado.

Sei que há situações que se perpetuam no tempo (debilidade económica, assimetrias regionais) e que nem tudo  mudou por completo. Mas tenho a noção de terem passado duas gerações à moda antiga (cerca de 45 anos) e que nem tudo o que lá está é válido. Embora ajude a perceber de onde viemos e, por isso mesmo, tudo o que foi conquistado.

O problema é que não sei se muita da gente que agora manda na Educação, apesar do brilho retórico e de alguma sofisticação linguística, não estará ainda ali parada a ler aqueles mestres e a pensar escrever um livro como aqueles que num próximo post vos mostrarei e que há 10 anos eu já comprava a preço de liquidação.

Que se entenda bem uma coisa: não está em causa a qualidade da generalidade das obras. Só que… já passaram uns anitos e até dizem que já há ostras de novo no Tejo.

Desvinculando

Há uns anos gozei bastante com a expressão “desvinculação cognitiva” usada pelo então presidente do Conselho de Escolas, Álvaro de Almeida Santos.

Mas a vida é o que é e eis que me sinto um bocado assim, como que a desvincular, cognitivamente e não só, ao ler alguns planos de melhoria do sucesso escolar, leia-se dos resultados escolares, de que me vão enviando algumas partes, ainda em rascunho ou em processo mais avançado.

E desvinculo porque me sinto a atrofiar com o retrocesso conceptual de décadas que alguma da teoria envolvente representa (há quem não tenha conseguido ainda sair das sebentas pedagógicas de há 20-25 anos) e prevejo uma completa escravidão burrocrática com todo o tipo de documentação que é preciso produzir para preparar o diagóstico, realizar o diagnóstico, registar a realização do diagnóstico, avaliar o diagnóstico, registar essa avaliação, reflectir sobre o diagnóstico, alcançar conclusões a partir do diagnóstico, preparar acções (de preferência em forma de plano) em consonância com essas conclusões, produzir materiais de apoio para essas acções, registar as acções e materiais, bem como a calendarização da sua “operacionalização”, operacionalizar em si mesmas essas acções, registar essa operacionalização, avaliar a operacionalização, acção a acção e no seu conjunto, articular horizontal e verticalmente tal operacionalização ao nível do ano, do ciclo, da estrutura programática, disciplinar e curricular, registar isso tudo, avaliar de novo, reformular ao mínimo sinal de insucesso, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc.

Tortura Azeite

FOFA

O ME anda a convencer as escolas a organizar os seus planos de sucesso em torno da estrutura da análise SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities, Threats), comum no universo empresarial. Confesso que prefiro a designação do português brasileiro porque se adequa mais a estratégias fofinhas (Forças, Oportunidades, Fraquezas, Ameaças), embora a versão castelhana para a América Latina também contenha os seus atractivos.

SWOT