Públicas! :-)

Quem desconfia das Escolas PÚBLICAS?

Um recente estudo do Observatório da Sociedade Portuguesa da Universidade Católica de Lisboa[1] voltou a colocar as escolas públicas em lugar de destaque entre as instituições de relevo em que os portugueses mais confiam. Realizado em Novembro de 2017, este estudo confirma o resultado de outro semelhante feito em Março de 2016, com o valor da confiança a manter-se estável (passou de 5,9 para 5,91), estando à frente das pequenas empresas (5,86), da polícia (5,82) ou das forças armadas (5,64) e muito distante das instituições que captam a menor confiança da sociedade (banca, igrejas, sistema judicial). Acima das escolas públicas, apenas a Presidência da República que melhorou imenso na opinião dos portugueses com a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa (passando de 4,55 para 6,64 em cerca de ano e meio).

Este resultado está em linha com todos os estudos de opinião realizados ao longo dos anos em Portugal sobre o grau de confiança nas instituições e profissões existentes na sociedade portuguesa. É uma excelente notícia para todos aqueles que trabalham nas escolas públicas ou a elas confiam as suas crianças e jovens todos os dias, desautorizando por completo todos os discursos que de forma recorrente e insistente as apresentam como sendo motivo de desconfiança, atribuindo-lhes uma série de defeitos ou incapacidades por manifesta má-fé ou por determinação de uma agenda de interesses (ideológicos, políticos, económicos) a que é estranha a defesa da rede pública de ensino.

As críticas, quase sempre enunciadas sem qualquer preocupação de fundamentação empírica ou fugindo mesmo de qualquer demonstração factual, têm surgido nos últimos anos, de novo, a partir do próprio poder político que afirma querer defender a Educação Pública, assim como das suas extensões na comunicação social ou nos meios académicos receptivos a produzir opinião disfarçada de “estudos científicos”, assim a encomenda o determine.

A maior investida tem vindo a ser feita sobre o Ensino Básico, no sentido de justificar um conjunto de alterações no currículo e na avaliação dos alunos que se baseiam num conjunto de crenças de cliques político-académicas muito activas no nosso país há cerca de meio século, suportadas num conjunto de associações profissionais de professores em luta pelo domínio do desenho curricular. Mas sobre isso já aqui escrevi há meses e é cansativo escrever de novo sobre coisas velhas.

Mais recentemente, verificou-se a inflexão das críticas para o Ensino Secundário, nomeadamente para os exames que são feitos pelos alunos e que contribuem para a definição da sua média final, usada para o acesso ao Ensino Superior. As críticas, com origens diversas, desde as referências generalistas a “pais e professores” (notícia no Público de 10 de Fevereiro) a declarações legitimadoras por parte de “especialistas” da OCDE (Andreas Schleicher, em mais uma visita ao nosso país), procuram demonstrar como os exames do Secundário são factores de “desigualdade” entre os alunos, devido aos meios económicos diferentes que conseguem mobilizar para o apoio ao estudo para esses exames. De acordo com essas opiniões, essa “desigualdade” desapareceria com o fim dos exames e a transferência da responsabilidade do acesso ao Ensino Superior para as próprias instituições de acolhimento. Não se explica como isso aconteceria, nem como a existência de provas de acesso por parte das Universidades (mesmo que matizadas com entrevistas ou outro tipo de métodos como cartas de apresentação) faria como que a desigualdade de oportunidades, nascida de diferentes contextos económicos e culturais, se esfumaria.

Aliás, pelo contrário e pelo que se conhece de outras realidades, um sistema de ingresso definido apenas pelas Universidades e Politécnicos tenderia a aumentar ainda mais um sistema dual no próprio Ensino Superior, agravando a desigualdade entre as instituições mais procuradas e que assim teriam uma maior liberdade de selecção dos seus alunos e aquelas que, já hoje, lutam de forma desesperada por encontrar alunos que as mantenham em funcionamento. No sistema actual, os exames de final do Secundário ainda funcionam como um mecanismo regularizador e uniformizador, impedindo a completa desregulação de um sistema entregue à “liberdade de escolha” dos alunos pelas Universidades que, só em utopias desligadas da realidade quotidiana, reforçaria qualquer tipo de “igualdade” de oportunidades.

Um segundo argumento a favor do fim dos exames ou do papel das classificações do Secundário na definição do acesso ao Ensino Superior é o de que os alunos não estão a ser devidamente preparados para as exigências do ensino universitário e que, por isso mesmo, a média do Secundário é irrelevante para o sucesso no Ensino Superior. Até pode ser que em alguns casos seja assim, mas, como norma, este argumento apenas reforça a sensação de que as Universidades se fecharam sobre si mesmas e cada vez estão mais separadas do que se passa ao longo dos doze anos de escolaridade obrigatória e que preferem criar os seus critérios de acesso a tentar articular-se com os noutros níveis de ensino de forma harmoniosa.

Este tipo de atitude, de menorização do papel do Ensino Secundário, enquadra-se de forma clara na tendência já verificada de desvalorização crescente do desempenho dos alunos no Ensino Básico por parte de quem acha que o “sucesso” deve ser uma espécie de imperativo administrativo, independentemente do real mérito académico. Acabar com o peso do Ensino Secundário no acesso ao Ensino Superior, ou torna-lo residual, é coerente com uma atitude de completa de menorização definitiva daquele nível de escolaridade que se tornaria, ao perder qualquer aspecto pré-universitário, apenas mais uma fase de uma longa escolaridade obrigatória sem qualquer tipo de responsabilidade acrescida para os alunos.

A extensão da escolaridade obrigatória para doze anos trouxe problemas complicados de resolver que, na pressa demagógica e eleitoralista de aprovar uma legislação tida como popular, foram subvalorizados. Porque para muitos alunos a escolaridade de nove anos já era complicada de cumprir, a de doze anos tornou-se um verdadeiro labirinto sem sentido. E o “empurrão” para a frequência de vias pretensamente “profissionalizantes” não resolveu nada, em especial quando as regras de funcionamento em termos de avaliação e assiduidade são ficções muito pouco piedosas. No caso da avaliação, porque os alunos não estão em condições, depois de um Ensino Básico feito sob a exigência do “sucesso”, de aguentar com um maior nível de exigência, seja numa avaliação mais tradicional seja em metodologias de “projecto” copy/paste; no caso da assiduidade, porque as exigências formais de presença nas aulas e de justificação de faltas se tornaram uma espécie de faroeste onde vale de tudo um pouco para maquilhar a realidade de um abandono funcional que as escolas (directores de turma, professores) têm receio de assumir, porque a responsabilidade pelo “fracasso” será sua. Mas o Ensino Secundário não se pode transformar em mais uma extensão do laxismo que os imperativos políticos se têm esforçado por instalar no Ensino Básico.

Voltando ao início… ao contrário do que nos querem fazer crer governantes em trânsito para carreiras internacionais ou os seus convidados favoritos quando a OCDE é a instituição de referência para a legitimação das políticas, as escolas públicas não estão em crise, não estão desajustadas do seu tempo e fazem o possível e muito do impossível para preparar os seus alunos para o que os espera do ”outro lado”, para o dia em que saem dos seus portões e deixam de beneficiar da imensa protecção que os professores não-superiores (e pessoal não docente) lhes dedicam. Isso é reconhecido pela sociedade e está amplamente demonstrado em estudos sucessivos. A confiança nas escolas públicas só não é um facto para quem tem interesse em denegri-las de forma sistemática. Há quem diga que é a publicação dos rankings que “humilha” as escolas públicas. Há quem afirme que são os exames que agravam os fenómenos de “desigualdade” entre os alunos. Nada de mais errado. Quem “humilha” as escolas públicas são aqueles que as estão permanentemente a criticar e a dar-lhes lições sobre a forma como devem desempenhar a sua função. Aqueles que deixaram de lutar contra a desigualdade na sociedade e na economia e depois acusam as escolas de não fazerem o suficiente.

[1] “Estudo da Sociedade Portuguesa- Confiança no governo, em instituições e em serviços públicos, hábitos de consumo e de poupança, e confiança económica (Novembro 2017)”, disponível (Fevereiro de 2018) em https://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/asset/30776/file.

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3 opiniões sobre “Públicas! :-)

  1. Gostei muito do texto.
    Concordo e subscrevo. Fiquei esclarecido sobre a perspectiva do Paulo. E penso ser a correcta. Esta visão global ( texto do JL ) fez-me modificar muito do que pensava sobre o assunto.
    Só te posso dar os meus parabéns !

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  2. Eu, pelo contrário, tenho muitas dúvidas sobre a posição assumida no texto.

    Já era tempo de se mudar alguma coisa, num debate aberto e sem preconceitos.

    Não entendo a “menorização ” do ensino secundário, caso houvesse uma política de acesso ao superior diferente.

    Seria importante , tb, referir o impacto que o númerus clausus teve neste acesso. Talvez se perceba porque é que Portugal tenha sido e seja dos países que mais peso dá às disciplinas específicas nos exames nacionais.

    Poria , assim, a questão de outra forma – em vez da “menorização” do secundário, que tal a cooperação entre secundário e ensino superior?

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  3. E agora para algo completamente diferente e politicamente incorrecto que poderá chocar alguém mais sensível, ainda respeitante à “menorização” do secundário:

    O ter-se acabado com 2h lectivas de redução da cp lectiva quando se tem secundário.

    Antes mesmo de se acabar com esta medida, compreensível, já as direcções das escolas andavam a gerir horários de modo ao pessoal ter 2º ou 3º ciclo e secundário de modo a “pouparem” créditos horários.
    E o pessoal leccionava , por exemplo, 12º anos e lá no meio, despercebida, uma turma do 5º ano.

    Lindo! E muito eficiente….

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