Pelo Educare

O ano começa com a publicação de dois textos assim mais para o longo e complexo, a partir de leituras recentes. Porque se estamos no século XXI devemos ler quem reflecte sobre a nova realidade e não apenas recuperar as sebentas de outros milénios. E porque estou cansado de papagaios.

A época da pausa de Natal, enquanto se mantiver no calendário escolar e resistir às tendência inovadoras que por aí se querem espalhar, é um momento desejado de calma, descanso e, se possível, de colocar algumas leituras em dia, em especial as que exigem mais atenção do que os quotidianos acelerados permitem. Uma delas é o ensaio de Isabel Lorey com o título State of Insecurity – Government of the Precarious (Londres, 2015), sobre a forma como a precariedade se tornou uma marca da sociedade actual e uma estratégia do próprio poder político nas sociedades ocidentais para manter o tal “estado de insegurança” entre os indivíduos, por forma a que neles se instale o medo da perda da sua posição no mercado de trabalho ou de estatuto social, fomentando uma atitude de submissão e não contestação ao modelo de governação dominante.

Após a instalação do medo com origem externa (os ataques terroristas, as vagas de imigrantes) o discurso da insegurança instalou-se a partir do próprio funcionamento da sociedade, promovendo a adesão a estratégias securitárias, não apenas no sentido do fechamento de fronteiras e de rejeição do “outro”, mas do próprio reforço de políticas internas alegadamente destinadas a reforçar a “segurança”, não apenas policial mas também alegadamente económica.

A precariedade laboral é um dos aspectos nucleares da actual erosão das políticas sociais que marcaram o progresso das sociedades ocidentais, afirmando-se como incomportável a manutenção de um conjunto de “direitos” que se apresentam como um encargo demasiado pesado para os meios financeiros do Estado, pelo que os indivíduos devem abdicar de parte do que foram as conquistas do Estado Social do pós-II Guerra Mundial e aderir a um modo de governação que, apresentando-se como o modo único de resistir à crise e promover uma alegada “segurança”, acaba por desenvolver um alargado sentimento de ansiedade nas populações.

É natural associar esta teorização, pela forma clara como se aplica na prática, às políticas desenvolvidas nos últimos 10-15 anos, em especial depois da crise financeira de 2008 e ao discurso da inevitabilidade da precarização das redes de protecção social e das condições do mercado de trabalho. A aplicação de conceitos e práticas como “flexibilidade” ou “eficácia” na gestão dos recursos humanos “no século XXI” fez-se através da expansão de um processo de crescente vulnerabilidade de grupos sociais e profissionais que até há pouco se sentiam de certa forma imunes ao risco de perderem as suas posições.

“Devido ao desmantelamento e remodelação dos sistemas de salvaguarda colectiva, toda a forma de independência desaparece na face dos perigos da precariedade e da precarização; invulnerabilidade e soberania tornam-se óbvias ilusões. Até aqueles que antes estavam seguros à custa de terceiros nacionais ou globais, estão a perder protecção social” p. 89.

E não é difícil perceber como tudo isto se aplica, de um modo que deixa pouca margem para dúvidas, às estratégias de precarização dos direitos de classes socio-profissionais que o poder político passou a considerar como demasiado autónomas devido a uma sensação de segurança material. O caso do ataque continuado à classe docente nos últimos 15 anos e aos seus alegados “privilégios”, a forma como as suas condições de trabalho e mesmo de vínculo laboral foram sendo progressivamente estilhaçadas, independentemente da orientação política dominante nos governos, enquadram-se de forma perfeita nesta estratégia de domesticação pelo medo, seja através da insegurança do grupo, seja das ansiedades individuais.

E assim se percebe que o que é apresentado como um problema específico, local/nacional, não passa de uma faceta da investida global de remodelação do welfare state em favor de uma lógica de governação que baseia na insegurança a sua principal estratégia de manutenção de poder e de controle das possibilidades de resistência efectiva.

pg contradit

3 opiniões sobre “Pelo Educare

  1. O Medo. Agora são os médicos, a quem me parece que se está a dar mais atenção et pour cause, quanto a serem vítimas de agressões. parece que em alguns centros de saúde , hospitais, há botões de pânico, ou seja, recorrendo ao telefone e ligando para um determinado número pedem ajuda. Não sei quem de imediato têm que para os consultórios se desloque. Em hospitais há ali mesmo um agente a quem se pode recorrer até para fazer queixa dos agressores. Nas escolas, como se sabe, nada disso existe. A conivência de colegas e de directores é entre a escroqueria e a placidez, passando pela inevitável covardia de denúncia das agressões. em nome do Medo. Os médicos e sei-o, têm sido agredidos mas não esqueço ( e nem me refiro a mim pois nunca tive esse azar) de colegas a quem médicos recusaram atestados médicos quando confessaram que não aguentavam mais, entre ameaças, insultos de alunos, a indiferença de chefias, e as dores de alma ou até físicas. para muitos nunca tal foi razão pertinente, afinal, eles não estavam doentes de acordo com a tabela de catalogação de doenças. Ainda este ano uma colega não teve atestado por 3 dias, que era o que ela pedia desesperadamente, depois de mais enxovalhos passados nas aulas. Pode ser que entre médicos, professores, polícias … se enxergue este governo de que ser funcionário público não é um luxo, passou a ser o inimigo para muita gente, e de tal modo que são os que levam a tal “porrada”, agora, literalmente. Em breve , espero que chegue a juizes como o aquele do Porto, que achava que a mulher ter um amante , em pedido de divórcio, o marido poder continuar a persegui-la.

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