4ª Feira

Última saída do ano para as sempre esperadas auto-prendas que, como seria de esperar, recaíram quase em exclusivo em livros. Uma delas foi um dos “evangelhos” da clique ideológica no poder na área da Educação. Para ler o original e não as réplicas e perífrases que abundam por aí, nem sempre com a citação do autor: Edgar Morin. De quem li, em tempo das edições da Europa-América, com especial prazer O Homem e a Morte e O Paradigma Perdido. De quem fui lendo as divagações, de forma pouco sistemática, sobre o espírito dos tempos e a Educação desde o início dos anos 90, quando se tornou aquilo que os seguidores consideram ser uma espécie de guru do “pensamento complexo”. Muito do que Morin escreveu nas últimas décadas é atractivo, intelectualmente interessante e em alguns momentos estimulante, mesmo se não propriamente inovador. Digamos que ele faz confluir contributos de áreas que outros autores desenvolveram e que ele conseguiu sintetizar de um modo razoavelmente acessível.

Na área da Educação, por cá, o seu legado (que ele explicitamente faz remontar às concepções de Rousseau) tem sido pilhado de um modo equivalente ao que aconteceu a Paulo Freire, mas nem sempre com a honestidade da citação da inspiração para prosas que vão de introduções a diplomas legais a powerpoints de formações recicladas. Só que em alguns casos, aproveitando de Morin o mais superficial dos conceitos e deixando de parte a coerência com a prática correspondente, em particular aquela que nos previne contra as certezas. Aquelas que os autores de Perfis e 54s e 55s apresentam como absolutas e não passíveis de crítica. Pessoalmente, partilho algumas das concepções de Morin, em particular aquela da complexidade e da necessidade de não dividirmos tudo entre bons e maus, nós e os outros, virtuosos e “cornudos”, para usar a terminologia patusca do ministro Tiago.

Estamos ameaçados, sem cessar, de nos enganar sem o saber: Estamos condenados à interpretação, e temos necessidade de métodos para que as nossas percepções, ideias, visões do mundo sejam o mas fiáveis possível.

De resto, quando consideramos as certezas, compreendendo as científicas, dos séculos passados e consideramos as certezas do século XX, vemos erros e ilusões de que cremos estar curados. Mas nada nos diz que somos imunes a novas certezas vãs, a novos erros e ilusões não detectadas.

Edgar Morin, Enseigner à Vivre. Manifeste pour Changer l’Éducation. Paris: Babel 2020 (original de 2014), pp. 14-15.

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