Li muita ficção científica durante a adolescência. E depois em idade já adulta. E regressei recentemente ao género. Os melhores entre os melhores só conseguiram raspar a superfície do que efectivamente nos aconteceu, se exceptuarmos alguns avanços tecnológicos. O relógio com ecrã e som do Dick Tracy (bd policial e não de fc) apareceu, Assim como alguns métodos de transporte. Em termos sociais, as principais distopias que citamos a esmo (como Huxley e Orwell, muito menos Bradbury, Burgess, Dick ou Zamyatin) representam as projecções distópicas do passado e iluminam quase em exclusivo os meados e segunda metade do século XX. Certo, a novilíngua está entre nós. Mas o resto, se exceptuarmos a deriva massificadora, é razoavelmente diferente, até porque não fomos apenas nós a ler essas distopias.
(“He who controls the past controls the future. He who controls the present controls the past.”)
Em 1897 o mundo ocidental vivia um fervor de progresso, esperava-se pela grande exposição de Paris, os avanços técnicos pareciam imparáveis, a aceleração do tempo fazia acreditar num mundo completamente novo, no sentido positivo, para a Humanidade. A Torre Eiffel erguera-se até aos céus… Wells imaginara em 1895 as viagens no tempo antes do DeLorean de 1985) Em 1917, sabemos bem o que se passava: o primeiro conflito bélico à escala industrial tinha destruído as utopias e ultrapassado as piores distopias imagináveis 15-20 anos antes.
Em 1797, Napoleão acabara de vergar a Áustria e estava a caminho de levar a França a dominar toda a Europa. Em 1817, a Santa Aliança garantia a impossibilidade de qualquer retorno imperial francês.
Quanto em 2017 leio e ouço pessoas que pensam e escrevem como se o futuro fosse igual a 1997 fico com a pensar que ficaram presos naquele momento da História que lhes apareceu como mais agradável e em que leram e viveram experiências que querem ver replicar. Chamam a isso “futuro” e criticam quem não pensa nas coisas assim. Não ousam ir além do que já imaginaram. Foram então felizes, eu entendo. Querem isso de novo. Só que é um regresso ao passado e não outra coisa, com mais ou menos retoques a dar polimento modernaço.
Em não penso hoje como pensava em 1997 que seria o futuro, em tantos aspectos que me cansaria enumerar. Em matéria de Educação, os anos 90 foram para mim de limitada itinerância como professor contratado por umas sete escolas públicas. A forma como encarava o futuro do quotidiano escolar em 2000 quando, pela primeira vez, estive envolvido num projecto de gestão flexível do currículo, era muito diferente daquilo que projecto agora como ideal ou, no mínimo, como realizável. O futuro deslocou-se, as condições tecnológicas também, a sociedade envolvente a mesma coisa. O meu pensamento em 2017 é diferente, mesmo se em grande parte coerente, com o que era em 1997 (ou em 1987 quando terminei o curso ou em 1989 quando trabalhei numa autarquia que estava a reconfigurar a sua rede escolar de 1º ciclo e há coisas escritas para o provar).
A mim o que espanta mesmo é quem congelou por completo no passado e nos quer apresentar como futuro aquilo que já passou. O mais grave é quando chegam ao poder e têm os meios para nos impor os seus credos e… chega o “essencial” e nada de encher a cabecinhas das crianças com conhecimentos… não vão elas ter ideias com fundamento.
A vanguarda (de ontem) é a rectaguarda (de hoje), acrescento eu.
🙂
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